Ontem aconteceu a Abertura Oficial das Comemorações do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil, evento realizado pelo Consulado Geral do Japão em São Paulo. 15 de Janeiro (uma data bonita, 15 e 1, números bons). Fomos lá, encontramos algumas figuras conhecidas, ouvimos os discursos distantes. A formalidade quebrada pela breve e bela apresentação de shamisen, que finalmente diminuiu o burburinho da platéia.
Desde pequena, cultivei a fuga da descendência pura, da colônia e seus maneirismos, da opressão velada. Lembro dos meninos me xingando no recreio, quando estava na primeira série, rindo de mim, japonesa. Lugar comum na vida de qualquer descendente, ouvir estereótipos ao se referirem aos japoneses no Brasil. E, por outro lado, cresci e sempre achei que era a versão feita de japa ocidental. Refúgio na literatura e na música brasileiras, realidade em dança e teatro, sou brasileira. E aí veio o texto, durante o curso de Jornalismo, em que contei a história do meu avô, imigrante pré-1908, criado no Rio por portugueses, formado agrimensor, que lia, todos os dias, O Estado de S. Paulo na cadeira de balanço, já casado com minha avó miúda e de família de samurais. Ser diferente, essa é a marca que escolhi da minha herança. Mas foi só no Japão, morando em Tóquio, com minha filha sansei falando japonês fluente, que reencontrei de fato a paz com as raízes dos meus pais. Como contou a jornalista Erika Kobayashi quando também foi pra lá, tudo fez sentido. E vi que sou, dos fios do cabelo ao olhar, do compromisso silencioso com o melhor impossível aos ataques de fofura, japonesa brasileira, como tantos outros.
Os estereótipos devem ficar lá, no passado, conceitos equivocados.
E o presente tem como abre-alas um amor declarado à descoberta do Japão e de outras tantas culturas que nos fazem brasileiros. E, desde então, cozinhar faz parte, porque traz no sabor as lembranças que importam.
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E abram alas ao conforto que um misoshiru quentinho dá. Sozinho servido com wakame e cebolinha, com um ovo, nhami. Ou misoshiru com gohan, o clássico das crianças que não comem mais nada. Em todas as refeições, do café da manhã ao jantar. Seguem aqui algumas fotos do meu misoshiro de interior, que, como conta minha mãe, era como se fazia no sítio, cada dia com um legume diferente. Este aqui, de batatinha (jaga imo). Rapidinho.
Para fazer o dashi (caldo), no Brasil, usamos sardinhas secas salgadas como estas. Quando não achamos, usamos katsuobushi (bonito/atum seco em flocos) mesmo.
Os peixes são quebrados com os dedos e depois fervidos em duas águas. O caldo deve ser bem peneirado para não deixar passar espinhos. Com uma colher, retiramos o excesso de espuma.
Batatinhas cortadas em losangos bonitos devem ser cozidas antes (eita, na tábua de legumes em forma de carrinho, homenagem à Quatro Rodas).
E uma cebola em meias-luas. Tudo bonito e zás trás. Nada deve ficar muito cozido: a batinha fica com sabor, mas não desmancha nem perde a forma. Aqui, mantendo a classe do caldo, escolha um novo ingrediente em novas tentativas: o clássico tofu, cenoura, beringela, gobo (bardana), moyashi, vagem ou inhame.
Ao colocar o miso, siga a dica mostrada no videojug.com, lá em cima: dilua antes numa vasilha à parte e, depois de acrescentá-lo ao dashi, não deixe ferver. Gosto de usar o miso caseiro que não é muito escuro.
Um owan bem bonito de cerâmica japonesa.
E capricho na cebolinha e no wakame, enfeitando as nuvens do misoshiru.
Nhami :)
Sadao, este post é dedicado a você, meu companheiro de nippon ryori, no frio de Tóquio.