Perambulando pelo Sambódromo no último sábado, dia 21, embaixo de chuva, percebi que a comemoração do centenário tem uma importância que beira o inenarrável para uma série de pessoas. Fui conversando com um aqui e outro ali, e olhando atenta a expressão de cada um, repleta de orgulho e felicidade por pertencer `a comunidade japonesa e por estar presente em uma festa daquele tamanho, feita, entre outros motivos, para receber o príncipe do Japão.
Kikuko Yamanaka, 97 anos, que o diga. Ela chegou cedo ao Sambódromo e aguardou ansiosa pelo príncipe. Veio com a filha e a nora, que ficou na fila do Bunkyo por bastante tempo, determinada a conseguir os ingressos para assistir às comemorações. Kikuko estava vestida com capa de chuva, sentada em sua cadeira de rodas. Trouxe cobertor para se proteger do frio e ficar mais confortável. A filha passou o tempo todo com o guarda-chuva aberto, protegendo a mãe da aguaceira.
A senhora, que não fala português, parecia não ligar para o desconforto e assim que soube que o príncipe chegara ao Sambódromo tratou de ficar o mais próximo possível da passarela. Ela veio para o Brasil com o marido quando tinha 23 anos. Instalaram-se na cidade de Bastos, no interior de São Paulo, mas logo se mudaram para a capital, em 48. Criou cinco filhos e hoje já tem 8 netos. Quando alguém lhe pergunta quantos anos tem, ela diz que faltam 3 para completar o seu centenário.
Kikuko emocionada ao ver o príncipe
Pouco antes de Naruhito desfilar pelo Sambódromo, aconteceu um show de canto, com músicas tradicionais japonesas. Uma das estrelas do dia, com belo timbre de voz, era a cantora e estudante de medicina Lílian Tangoda, de 22 anos. A moça, que é sansei, é natural da cidade de Guararapes, no interior de São Paulo. Foi para essa região que seus avós migraram quando vieram do Japão.
Apesar de estar cursando o quarto ano de medicina na Unesp, em Botucatu, Lílian não perde uma oportunidade de cantar. “Comecei a cantar criança, com uns 3 anos de idade. Prefiro as músicas em japonês, apesar de elas exigirem uma técnica mais difícil. Traduzo cada uma e tenho um professor para me ajudar com a pronúncia”, contou ela, que é bicampeã brasileira de karaokê. No domingo, dia 22, ela iria participar da final do campeonato Paulistão – que fazia parte da programação oficial da Semana Cultural Brasil-Japão - e defender o título que ganhou ano passado.
Lílian contou que ficou surpresa ao ser convidada para cantar na festa da cerimônia do centenário, mas confessou que ficou muito feliz por estar lá. A moça interpretou a tradicional música “Mukashi”, que ganhou na voz dela um arranjo mais moderno.
Lílian solta a voz no Sambódromo
Enquanto a cantora recebeu um convite para se apresentar, outras pessoas garantiram estar se preparando para o evento há algum tempo, tendo em vista que a festa começou a ser organizada em 2005. O nissei Yoshishigue Mikan, de 62 anos, se enquadra nesse perfil. Aposentado há 6 anos, hoje ele é presidente da Associação Cultural e Desportiva Nikkey de São Miguel Paulista.
Em parceria com outros grupos, eles ensaiaram e apresentaram – eram cerca de 230 integrantes – a dança Shan Shan Kasa Odori, típica da província de Tottori. Antes de se ocupar com a associação, Yoshishigue, natural da cidade de Marília, no interior de São Paulo, trabalhava com engenharia de produção.
A adolescente de 16 anos Vivian Miyuki também se preparou por um bom tempo para a festa. A nissei faz aulas desde criança de shamisen (instrumento musical de cordas), odori (dança), taikô e língua japonesa. Na celebração, junto com um grupo de mulheres, ela dançou a folclórica dança vinda da ilha de Okinawa, chamada Yotsudake. As vestimentas vieram todas do Japão, especialmente para a cerimônia do centenário.
A japonesa Anna Takako Kanashiro, que veio para o Brasil em 58, com seis anos de idade, dançou com um grupo de mulheres o Kinen Odori, a Dança do Centenário, ao som da música “Umi wo watatte hyaku shuunen” – "Cem anos que cruzamos o mar". Anna saiu do Japão porque a mãe ficou viúva, com filhos para criar. Imigrar para o Brasil tinha um motivo maior: um casamento arranjado da mãe com um parente distante, estabelecido na cidade de Santa América, no interior de São Paulo.
Quem também fez questão de festejar o centenário foi uma delegação de japoneses – quase 50 pessoas – vinda da província de Tottori, e que dançou junto com os brasileiros o Shan Shan Kasa Odori. Entre os integrantes estava nada mais, nada menos, que o governador da província, Shinji Hirai. Ele me contou que ficou bastante emocionado ao perceber que as tradições japonesas estão extremamente enraizadas na comunidade que mora no Brasil. “Devemos gratidão ao Brasil, que é um país acolhedor e moderno, que recebeu a nós e outros tantos povos de braços abertos”, disse Shinji.
Shinji Hirai depois de dançar
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