Conte sua história › Osamu Takimoto › Minha história
Eu nasci no período da segunda guerra mundial (1939-1945). Naquela época a ordem no país era fazer muitos filhos para reforçar contingente militar. Pode confirmar isso na população da minha faixa etária no Japão que é bem maior em relação a idades anteriores e posteriores. A rigor, no Japão, nome da família tem que ser mantido pelo primeiro filho homem. Se não tiver filho homem marido da filha deve herdar o nome desta família. Este costume é dado apenas para primeiro filho e para os demais filhos não se aplica. Como meu pai não era primeiro filho não havia obrigatoriedade de continuar a tradição de nome da família e no meu caso também não, apesar de ser único filho homem. Isso ocorre com todos irmãos, exceto o primeiro homem, e seus descendentes sem descaracterizar a honra da família.
Meus pais tiveram muita dificuldade pós-guerra porque não tinha o que comer e o que vestir. Tudo era racionado, sal, açúcar, arroz, tudo. Em qualquer terreno plantava abóbora, batata inglesa, batata doce, nabo etc. que crescia rápido e volumoso. Na escola tinha uma ocasião que distribuía chocolate, água de coco etc., para suprir a escassez de alimentos, oferecido pelo governo americano. Também era grande problema de proliferação de piolhos, para combater los todos os meninos ficaram de cabeças raspadas. Como citei anteriormente quantidade de alunos era muito grande. Minha série tinha seis salas de sessenta ou mais alunos cada uma. Atualmente na mesma escola tem duas ou três salas e cada sala com menos de uma dúzia de crianças. A medida que os anos passavam a economia do país e da família foi melhorando e consegui terminar a engenharia eletrônica.
Logo depois da faculdade eu trabalhei numa firma de porte médio na área de telefonia ganhando salário razoável, porém não estava satisfeito com a situação de morar com os pais. Tomei uma decisão radical para mudar minha vida. Optei por trabalhar e buscar futuro melhor e diferente num país bem longe sem nenhuma intenção de retornar. Com a economia que tinha comprei coisas necessárias para nova vida. Sobrou US$500,00, com esse dinheiro no bolso em 1965 embarquei no navio “Argentina Maru”, que era cargueiro modificado para passageiro, pelo porto de Yokohama rumo a Santos /São Paulo como imigrante técnico. O governo japonês ainda mantinha tratado de imigração com governo brasileiro. Antes de sair da minha pátria fui contratado numa firma com filial em São Paulo e naturalmente fui treinado para exercer a tarefa no Brasil.
Logo depois que o navio se afastou e o porto ficou mais longe senti tremendo solidão e as lágrimas não pararam de sair, chorei soluçando muito. Cheguei em Santos na época de natal, passando por Hawaii, São Francisco, canal do Panamá, Caracas, Rio de Janeiro. 40 dias de férias comendo e dormindo além de atividades recreativas e festivas dentro do navio. Cada dia corrigia dez minutos para acertar fuso horário. Dentro do navio encontrei uma moça com neném no colo, ela nos ensinava como cumprimentar e como contar números no Brasil até então nem sabíamos disso.
Na chegada de porto de Santos foi um espanto! Tudo diferente! Apesar de ter 26 anos não era suficientemente adulto e preparado para batalha da vida. Nos primeiros dias ficamos em casa de imigrantes de Santos e depois fomos transferidos para São Paulo de caminhão também na casa dos imigrantes. Naquela casa tinha muitos retirantes e sem tetos. Uns três ou quatro dias depois arranjei um quarto para morar em bairro de Cambucí e comecei a trabalhar. A cidade de São Paulo é semelhante a qualquer cidade do Japão, quer dizer cinemas, restaurantes e lojas japonesas e nesse ambiente não tinha necessidade de falar português.
Aos poucos fui entrando no meu novo mundo. Fiz curso de português noturno, organizado pela entidade Nippo-Brasileiro, por algumas semanas. No começo não tinha nenhum amigo brasileiro sem descendência japonesa. Café da manhã era no bar da esquina e fazia meu pedido em português com dificuldade. Na hora do almoço durante a semana era com os colegas da fábrica. O feijão que come com arroz aqui no Brasil era novidade para mim, achei muito gostoso e teve dias que comia só feijão. Tanto comia que acabei enjoando e nem podia ver mais na minha frente, até hoje. A noite jantava no restaurante oriental sempre com os amigos maioria das vezes sem falar uma palavra em português.
Devido ao problema de liberação da importação da maquinaria, que veio junto comigo, a firma teve grande dificuldade financeira e por fim fui demitido e a produção não foi para frente.
Sem nada a vista para o pão de todo dia em São Paulo, despedi dos companheiros de navio e da fábrica vim para o Rio de Janeiro por convite de meu tio que morava em Alcântara. Na estação rodoviária um policial me fez interrogatório devido eu carregar mala grande de couro só que eu não entendia grande coisa e talvez nem ele. Tentei explicar para onde eu estava indo e o dinheiro que portava era minha economia, pois, naquela época não havia sistema integrado de bancos nem eu tinha talão de cheques.
No novo endereço não demorei muito arrumei emprego na firma canadense, através da minha prima e comecei a trabalhar no fim de 1966 sem saber falar português direito ainda. A época era de ditadura militar, porém, eu nunca cheguei perto de algum perigo. De certa forma tinha mais ordem social com governo militar. Nesse novo ambiente de trabalho e de própria vida cotidiana não havia nenhum japonês, me virei. Estudei português lendo dicionário Português/Japonês e Japonês/Português que comprei no Japão. Fora disso tive uma professora que morava perto do meu quarto alugado na Tijuca, com ela aprendi um pouco de gramática e conversação no período de dois meses nos fins de semana. Na firma tive dificuldade para reconhecer o meu diploma que trouxe do Japão. O referido diploma depois de oito anos finalmente foi reconhecido e eu fui promovido como engenheiro. Meu salário nunca foi grande coisa, mas dava para viver e nunca faltou dinheiro na minha vida. Talvez me faltou entusiasmo para ganhar mais.
No ano de 1969, quatro anos depois de sair do Japão, casei-me, pois encontrei com minha esposa mineira de Itajubá. No ano seguinte nasceu primeira filha (engenheira eletrônica), ano de 1973 segunda filha (professora com mestrado de física), 1975 primeiro filho (advogado) e finalmente no ano de 1985 nasceu filha caçula (formará este fim do ano em medicina). Até o presente momento com eles eu tenho cinco netos, dois genros e uma nora. Família que eu queria cresceu, junto com a amada esposa, com muita satisfação e alegria.
Gozei de saúde até 1986, ano em que enfartei. Alguma época depois começou surgir plano de saúde por conta disso não precisou dinheiro extra para tratamento e manutenção futura. Continuei trabalhando até 1996 depois me aposentei por tempo de serviço.
No momento apenas cuido de saúde fazendo dieta, caminhada e musculação para terceira idade. Não gosto de ser chamado de velho, mas no ano que vem vou fazer 70 anos e 40 anos de casado.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil