Conte sua história › Eduardo Jun Marubayashi › Minha história
Março de 1998.
A primavera havia chegado e as flores forravam de amarelo as margens do rio Chikugo, em Fukuoka. Minha prima não conseguia parar de espirrar por causa do pólen, enquanto dirigia seu Honda velho até o asilo onde nossa avó estava. Estávamos indo para lá para me despedir, pois logo embarcaria de volta para o Brasil. De bagagem de um ano de bolsa de estudos eu levava um diploma de pós-graduação, muitos novos amigos, viagens pelas ilhas, mas nada comparável ao que experimentei naquele dia.
Encontrei a velhinha deitada numa cama. Os cabelos grisalhos estavam desarrumados, mas minha tia Junko os penteou carinhosamente. Ela não conseguiu se levantar, mas abriu um sorriso banguela para mim – algo que me lembrava demais o meu irmão Shigueto, quando ele havia perdido todos os seus dentes de leite. Continuou deitada, resmungando qualquer coisa. Ficamos nós cinco – tia, prima, enfermeira, avó e eu, conversando sobre um monte de bobagens por alguns minutos. Por todo esse tempo fiquei de mão dada com ela. Foi aí que minha tia lhe disse que eu estava indo embora para meu país, que eu estava lá para me despedir. De repente senti meus dedos apertados. Ela agarrou minhas mãos com força, mas não disse nada, só me olhava. Seu semblante, antes sorridente, ficara triste. Só quebrou o silêncio ao dizer que meu pai era um menino levado. Que no dia que ele partiu para o Brasil ela chorou o dia inteiro, sozinha, no arrozal. Que como ela não conhecera meu pai com minha idade – eu tinha 24, para ela o meu rosto era o rosto dele, que era como seu eu fosse o meu pai ausente. E que eu não podia ir embora.
Acho que eu até cheguei a pensar em dizer à minha avó que meus dedos estavam começando a doer, mas era tanto funga-funga no quarto que até eu comecei a funga-fungar. Aquela era minha família, as mulheres do meu pai antes de minha mãe e irmã. Uma família com quem jamais nós havíamos tido contato e com que eu tivera a oportunidade de conviver nos últimos meses.
Se minha bolsa valeu para algo, foi para eu ter aquele único momento com elas. Uma ponte entre dois países para uma mesma família.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil