Conte sua história › MARIO KATSUHIKO KIMURA › Minha história
Sou do tempo em que ainda não tinha TV, nem telefone, do tempo da lamparina com pavio a querosene, do tempo em que possuir rádio era chique, do tempo em que a locomotiva era tracionada por Maria Fumaça, de caldeira aquecida a carvão. Lampião a gás só se usava em eventos especiais.
O automóvel da época era somente importado de cor preta, da marca Mercury, Chevrolet ou Ford.
Usei sabão e água para ajeitar os cabelos com o pente Flamengo, também utilizei vaselina, mais tarde brilhantina Glostora, Palmindaya e Trim.
Era comum andar descalço e a usar calça curta que a minha mãe confeccionava, com alças de tiras de pano.
Andei nessas condições nas terras vermelhas de Assai PR até os cinco anos, mais tarde em Maringá PR, também terras roxas, já acompanhava os manos nas aventuras, passava por debaixo dos trens, arriscava nas matas, onde hoje é o bosque do horto florestal de Maringá.
O menino descalço nos solos arenosos de Cianorte PR, e foi lá que ganhou o primeiro calçado (sete vidas) para ir à escola, pois no sitio, o usual era andar descalço e eventualmente a calçar Alpargatas Roda.
Residia então em um sitio distante da cidade aproximadamente seis km, o que requeria acordar de madrugada para ir à escola.
A nossa mãe preparava comida (arroz/feijão e algumas vezes ovos fritos), até para agüentar a longa e cansativa caminhada pela picada entre matos, nos idos de 1958, entre distrito São Tomé e Cianorte PR.
Existiam ainda os animais silvestres, tais como macacos, tamanduás, tucanos e os rios ainda eram de águas límpidas.
Às vezes essas caminhadas à escola eram minimizadas pela carona de caminhoneiros, na maioria caminhão FNM que transportava toras da região para a serraria.
Lembro-me como se fosse ontem das historias japonesas que a minha mãe costumava a nos contar à noite (Issum bouchi, Momotarousan, Urashima Tarou, Ussagui do Kame, Hanassaka DiDi, Kagoya Hime, dentre outras), historias repetidas por várias vezes,incansavelmente, simples historinhas japonesas que hoje considero importantíssimas para a formação do ser humano, pois as historias nos incutem a ser determinado, honesto, batalhador e a não dormir no ponto, dentre outros ensinamentos.
Tomar refrigerantes na época era somente nos festejos do final de ano, e na falta destes contentavamos com xarope de groselha.
A escola matriculada no primeiro grau, chamada à época de primário, denominava-se Grupo Escolar Itacilina Bittencourt e a primeira professora foi a Dona Lelé, convívio por pouco tempo, pois logo estava na sala da professora Dona Cida, da seção C, pois o primeiro ano da época possuía três classificações, A para não alfabetizados e B para intermediários e C para os já alfabetizados.
Até o meio do terceiro ano freqüentei aquela escola e forçosamente fui transferido para Londrina PR, com o advento do falecimento do meu pai, ocorrido em 1960.
Continuei os meus estudos agora em Londrina, junto ao Grupo Escolar Evaristo da Veiga, dando prosseguimento ao terceiro ano do primário, a partir de julho de 1960, tempo do carro Sinka Chambord, Rallye, logo depois vieram o Gordini, Delfini, DKW.
Foi boa a experiência em conviver com os meus avos maternos (Mataki e Tie), mesmo que trabalhando na chácara, ajudando-os.
A chácara do meu avô situava-se ao longo da estrada Limoeiro, distante aproximadamente seis Km da cidade,ao final da pista do Aeroporto da cidade, no prolongamento do Sanatório em construção, hoje Hospital Universitário da cidade. Terras vermelhas, muito pó nas secas e lama pegajosa nas chuvas, muito escorregadia.
Quantas vezes tive que retornar para casa por cair e sujar as roupas nas idas para a escola.
Quantas vezes, nas madrugadas de inverno, a minha avó nos acompanhou até o alvorecer do dia.
Foi meio penoso, porém sem nenhum sofrimento, pois sempre tive apoio total de meus avós.
Com a morte do meu avô ocorrida em 1963, forçou mais uma mudança na minha vida, a minha mãe, capitaneada pela minha irmã Eliza, juntamente com os meus irmãos, veio a residir em Londrina.
Época em que defrontamos muitas dificuldades financeiras, em que não podia comprar sequer livros de trabalho escolar (O Guarani, de José de Alencar). Embora à época fosse um menino de apenas doze anos, já era consciente da situação financeira da família que lutava até para obter as comidas do dia de amanhã e não tive coragem de pedir dinheiro à família para aquisição daquele livro.
Foi nessa época em que a minha irmã Eliza trabalhou até em feiras livres e chegou inclusive a costurar durante a noite, emprestando um pequeno espaço do vizinho, por possuir lá energia elétrica.
Hoje, a minha tia nos conta que as roupas que usávamos eram feitas de sacos de açúcar/arroz/farinha, tamanha era a insuficiência de recursos.
Foi nessa época que chegou a TV, porém apenas as famílias ricas a possuía.
Com a venda da chácara do avô pelo nosso tio, a família retornou para Umuarama Pr, desta feita na cidade, onde iniciei os primeiros serviços como auxiliar de farmácia e foi dado continuidade aos estudos.
Umuarama do tempo de Jipe Willys e depois do Fusca, do nosso fusquinha.
Foi lá que ingressei no Banco do Brasil, após experiência de quatro anos de farmácia e um de Exercito.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil