Conte sua história › Ivi Paula C. da Silva › Minha história
Algumas pessoas já me perguntaram se tenho alguma descendência japonesa, quando faço escova e meus cabelos ficam extremamente lisos, meus amigos japoneses juram que se não me conhecessem acreditariam que sou mestiça. Minha mãe me disse certa vez que, quando era um bebezinho todo mundo perguntava se meu pai era japonês... Mas apesar dos comentários – geneticamente falando – não tenho nada de oriental, muito pelo contrário... Nas minhas veias corre o sangue de índios (talvez daí o porque dos olhos pequenos e meio puxados), negros e portugueses.
Culturalmente falando já não posso garantir a minha não descendência (se me permitem assim dizer), afinal tanto na minha infância como nos dias de hoje, os descendentes da terra do sol nascente se fazem presente na minha vida constantemente; seja na minha casa, na faculdade, nas rodinhas de amigos, na rua, internet, TV...
O meu primeiro contato com a cultura japonesa foi aos quatro anos de idade. Havia uma simpática família de olhinhos puxados que morava na mesma rua que eu, o adorável casal tinha quatro filhos – dois casais – a caçula tinha minha idade (na verdade uns nove meses mais nova).
Como era filha única, minha mãe me colocou no prézinho para ter alguns amiguinhos e lá foi onde comecei a ter amizade com a Luciana, minha vizinha. Com o passar do tempo comecei a freqüentar sua casa e ela a minha, era muito divertido brincar com ela e o irmão que tinha um ano a mais do que eu e adorava implicar com nós duas.
Tinha contato freqüente com todos da família, menos o pai. Era difícil vê-lo em casa e por esse fato não consigo me recordar de seu nome (mas tenho claro em minhas lembranças seu rosto sério e calmo), lembro que certo dia Luciana veio com a notícia de que seu pai iria para o Japão trabalhar e não sabia quando ele voltaria, achei estranho e acabei por perguntar se o local era tão longe assim que eles não poderiam visitá-lo de vez em quando, foi então que sua mãe – a Tia Lúcia – me explicou que a Terra do sol nascente era muito longe de onde morávamos, ela ficava do outro lado do mundo e que quando era dia aqui no Brasil, lá era noite... Fiquei um pouco confusa, mas ao mesmo tempo empolgada, queria saber mais sobre esse tal país inverso.
O tempo foi passando e fui aprendendo um pouco mais sobre os costumes e cultura dessa família tão querida para mim. Lembro que, o pai da Luciana sempre mandava presentes do país nipônico para sua família e até mesmo eu fui incluída na lista dos que seriam presenteados. Eram tantas coisas lindas que ficava encantada, mas uma coisa que ficou bem marcada na minha mente foram os lápis de cor que ganhei... Aquele foi um presente especial, eles eram diferentes dos outros, pra mim os mais lindos que já havia visto e estão guardados até hoje.
Outra coisa que ficou bastante marcada foram as tardes que ficávamos assistindo os desenhos – claro, todos em japonês e sem nenhuma legenda – como a minha amiguinha não entendia a língua de seus ancestrais e muito menos eu, tentávamos entender e imaginar o que os personagens falavam, era muito divertido! Vez ou outra a tia Lúcia servia de intérprete para nós.
Foram muitas as coisas que aprendi com a convivência que tive com essa família: A comida é um bom exemplo, adorava aquele arroz que não era “soltinho” que nem o da minha mãe; o prazer de assistir a desenhos e séries (super sentais), até minha mãe parava o que estava fazendo só para ver comigo o Jáspion; a arte de estimular a mente fazendo origami, lembro que quando a tia Lúcia fazia pipoca eramos nós mesmos que dobrávamos os nossos copos de papel para colocar o nosso lanchinho... Tantas lembranças que estão muito bem guardadas e que jamais serão esquecidas.
E como era de se esperar os anos continuaram passando, sempre que tirava férias o pai da Luciana vinha visitá-los, ficava um tempo aqui e depois voltava para o Japão e nessa rotina as famílias foram crescendo... A tia Lúcia deu mais uma irmãzinha para a minha amiga e alguns anos depois eu finalmente ganhei um irmãozinho – agora não sou mais filha única.
Como o senhor do tempo não espera ninguém, a vida continua seu caminho... Todos vão crescendo e com isso mudando muita coisa, tanto a Camila (caçula da família de minha amiga) como meu irmão já não eram mais bebês de colo, já estavam começando suas vidas escolares e foi nesse momento que os pais de Luciana resolveram se mudar para o país nipônico e lá ficaram por alguns anos. Hoje eles moram aqui no Brasil mas, infelizmente perdi contato com a família... É uma pena, mas as lembranças que eles deixaram permanecem vivas dentro de mim.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil