Conte sua história › Içami Tiba › Minha história
Meus pais eram bastante cultos para a época e sempre ouvi falar que ele havia tirado o meu nome a partir do seu. Yuki tem dois kanjis, que significam Yu (guenki = saúde) e ki (yorokobu = ficar contente, alegre). O primeiro ideograma sozinho deu origem ao meu nome Issami, que significa coragem com saúde (issamashii). Para ser usado como nome próprio, esse ideograma pode vir ou não acompanhado de ‘mi’ ou ‘mu’. Então, meu nome poderia ser tanto Issami quanto Issamu. Papai preferiu Issami, usando somente o kanji. Quando perguntava ao meu pai sobre o significado do meu nome, ele me respondia que eram os valores dos samurais: forte, valente, corajoso etc. Ficava bastante satisfeito com a resposta dele, pois sempre gostei do meu nome. Quando assisti à pré-estréia do filme "O Último Samurai", um dos kanjis na apresentação do filme era o ideograma do meu nome e a sua correspondente tradução na legenda: coragem. Um dos atributos dos samurais. Meus pais deveriam estar muito esperançosos comigo quando deram este nome para mim! Por uma questão de cartório, meu nome acabou sendo escrito com ‘ç’, mas poderia ter sido escrito com ‘ss’. Papai tinha orgulho de seu sobrenome e não aceitou a escrita portuguesa Chiba porque em japonês pronuncia-se ‘Tiba’.
Um dos valores dos japoneses é suportar sofrimentos sem reclamar. Até hoje, os japoneses, mesmo indo a médicos, não ficam reclamando de suas dores. Meus pais nunca nos falaram o quanto sofreram. Não havia dificuldades que meus pais não superassem. Reclamar é vergonhoso, agüentar é ser honroso. Acredito que foi por isso que aprendi a suportar sofrimentos, agüentar frustrações, superar contrariedades. Birra? Nem pensar!!! Dificilmente filhos educados nessa linha desrespeitam seus pais, que tinham poder e autoridade reconhecidos por todos eles. De japonês, tenho a palavra, a ética. Aquilo que eu falo é. Posso até ter prejuízo, mas o que falo tem que ser mantido. O que me deixa bravo é essa questão de promessa, de cumprir palavra. Para mim, se não cumpre aí é difícil... Sou um cara disciplinado, esforçado, mas são coisas que trouxe lá de trás e sempre fui assim. De japonês também não tenho o costume de falar de mim se não for perguntado.
Tem uma época da minha vida que me considerava muito japonês no sentido mais pejorativo. Às vezes, japonês é tão seguro de si que acha não precisar de mais informação; que, se está bom está bom, não muda. Foi quando me formei e quando desenvolvi a teoria da adolescência. Achava que tudo estava errado, pesquisei e cheguei à teoria do desenvolvimento [hoje ‘relacional’.]. Nesse período, não queria ler nada, não quis fazer pós-graduação, tanto que não tenho mestrado nem doutorado. Só queria trabalhar, estudar e evoluir o que eu tinha. Foi um momento importante, porque fiz uma coisa nova, tinha que acreditar nela e divulgar. O que o Piaget fez para as crianças, fiz para os adolescentes. Nesse tempo, minha mulher dizia que eu me considerava onipotente, mas tinha que participar de congressos, precisava fazer cursos. Já eu achava que tinha que divulgar o que sabia e não aprender, me isolei. Só quando comecei a ouvi-la, mudei. Em uma ocasião eu quis comprar um terreno, mas Natércia me alertou para coisas que nem havia pensado: puxou minha orelha dizendo que nem tudo o que penso está certo. Apesar de ter frustrado meu empreendimento imobiliário, comecei a acordar.
Meu plano de trabalho sempre esteve mais voltado para o Ocidente. Mas com [o filho] Andre aconteceu uma coisa interessante. Com sete, oito anos, começou a perguntar para a gente por que a turma o chamava de japonês se nós não tínhamos muita convivência com japonês. Então falei ‘vamos para o Japão para conhecer’. Se eu explicar, vou falar do nissei que sou e não do Japão. Andre se interessou bastante pela língua, brinquedos, fala algumas palavras e entende razoavelmente. A menina ficou muito chocada quando visitamos Hiroshima. Fomos a passeio. No Japão tem alguns parentes de minha mãe, mas não temos contato com eles. Natércia aprendeu a cantar para as crianças, com a Kiku-chan e com amigos mestiços do Andre. Aliás, a Natércia também passou a conhecer comida japonesa e a prepará-la em casa, inclusive o sukiyaki, hoje uma especialidade do Andre.
Para mim, essa mistura da cultura japonesa com a brasileira foi excelente, um acréscimo, me quebra a dureza do japonês de um jeito muito gostoso. Quebra com amor e não por imposição, coisa que não aceitaria tão facilmente. No Japão, uma tradição antiga diz que, quando nasce uma filha o pai planta duas kiris [árvore muito valorizada para a fabricação de diversos produtos]: corta uma para dar a festa e a outra para fazer o enxoval. Cortou as árvores, acabou a história, pois [a mulher] só vale quando estiver em casa. Quando a mulher casa, é praticamente dada para outra família e a gente perde contato, passa a valer mais a família do homem. Pra mim, essas coisas eram muito radicais...
Mas há coisas boas também. Japonês, a primeira coisa que faz é olhar para o futuro, e não ficar só lamentando o passado. Minha visão é para o futuro. Nós brasileiros estamos assim porque nos incomodamos pouco com o nosso ambiente. Por isso, viajo pelo Brasil fazendo [palestras] aquilo que era o meu sonho de lá de trás, do médico de kombi, e deixar sementes. Livros são sementes que o destino leva por caminhos que o próprio autor desconhece. E, quando encontram terreno fértil, eles germinam gerando novas sementes, diferentes das originais. Estou no caminho do meu sonho. Dôo parte do livro “Quem ama educa” para a Enkyo, uma entidade nipo-brasileira de beneficência aos necessitados. É um resquício do que foi o Hospital Santa Cruz, na Vila Mariana, construído por japoneses e confiscado pelo governo na época da Guerra. Fora isso, colaboro com tudo o que se refere a dekassegui. Eu me considero um nikkei atuante.
Depoimento à jornalista Patrícia Rodrigues
Fotos de Renato Stockler e arquivo pessoal de Içami Tiba
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil