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Quando estava no terceiro colegial, resolvi trabalhar durante o dia e estudar à noite porque meus pais já se sacrificavam bastante. Por meio de um anúncio de jornal, consegui meu primeiro emprego de office-boy em um escritório. A Soteca ficava no Edifício Conde Prates, no centro. Mas, nessa função, fiquei menos de um mês. Na hora do almoço, enquanto os outros rapazes pingavam bola, eu só ficava de olho naquela fila de datilógrafas que trabalhavam em máquinas com um carrinho imenso. Eu tinha uma Remington em casa e já datilografava meus trabalhos de escola. Perguntei para o chefe, seu Dario, se eu poderia mexer naquelas máquinas. Ele concordou caso alguém se dispusesse a me ensinar, desde que fora do horário do expediente. Com a Francisca, a chefe das datilógrafas, aprendi a tabular, fazer contas na máquina de escrever. Um dia, faltou uma datilógrafa e acabei ficando como datilógrafo. Faltou o caixa e eu disse para o chefe que podia confiar em mim, aprendi a fazer movimento, recibo. Com 18 anos, já era o caixa de uma empresa. Trabalhei ali um ano e depois parei para fazer o cursinho.
No vestibular, fui excedente na Pinheiros [a Faculdade de Medicina da USP], não passei na Paulista e entrei em Sorocaba em quarto lugar. Encontrei dificuldades na época, achei que não conseguiria pagar. Não me matriculei em Sorocaba porque queria estudar na Pinheiros que, além de ser a melhor do Brasil, não era paga e foi onde meu tio Fumio e Sadae, minha prima mais velha e filha da tia megera, estudaram.
Fiz novo ano de cursinho e voltei a dar aulas de judô. Meus alunos eram indicados pelo doutor Oscar Farina, pediatra e dono do cursinho, e, além da academia, ia à casa das crianças. Prestei mais um ano e realizei meu objetivo. Posso dizer que o ano em que entrei na faculdade foi a grande mudança na minha vida mesmo.
Um pouco antes de entrar na faculdade, já andava questionando essa coisa que havia lá em casa, muito tradicional, de que tudo era ‘primeiro filho’, ‘segundo filho’. Isso tinha um peso muito grande de fazer só o que os pais queriam. Isso não era para mim, queria escolher o que fazer. Meu avô, por exemplo, fez com que todos os irmãos pagassem o estudo de um. Em qualquer casa, a véspera de prestar o exame para o vestibular deixa a família toda tensa e, no meu caso, ninguém nem soube. Passei por dois anos consecutivos na Faculdade de Medicina e isso era uma coisa de deixar a família orgulhosa, mas quando cheguei em casa depois de comemorar com os amigos, meu irmão me perguntou por que eu estava tão contente. Meus pais devem ter ficado contentes, mas não falaram nada nem fizemos festa. Aliás, essa era uma característica bastante comum: ter parcimônia em elogiar, principalmente os próprios filhos, mas não dispensar as broncas. A única vez que meu pai se manifestou sobre isso foi para dizer que queria que eu fosse cardiologista, a especialidade de seu irmão Fumio. Só davam importância para o que o irmão mais velho fazia.
Então, quando entrei na faculdade cheguei à conclusão de que estava na hora de dizer que não desejava influências na minha vida. Arrumei um argumento muito bobo, do tipo encrenca com um irmão, e disse que sairia de casa. Fui morar na Casa do Estudante Pobre de Medicina. Não fiquei magoado, mas acho que paguei de outro jeito, considerando-me sem direitos a nada. Tudo o que tinha deixei na casa, incluindo meus livros. Minha mãe ficou assustadíssima, mas nenhum dos irmãos tocou no assunto. Mais ou menos um mês depois, meus pais foram até a Casa do Estudante e me disseram para voltar para casa, que eles me ajudariam. Não havia saído brigado, mas agradeci e não voltei. Eles disseram que não atrapalhariam as minhas escolhas (e repetiram isso mais tarde, em outra ocasião decisiva). Acabei marcando uma posição que não poderia ser feita se estivesse dentro de casa — e que não era comum alguém fazer nessa época.
Comecei a faculdade e tinha que ganhar dinheiro. Sempre conciliei o curso com essa coisa de me virar. Fui representante de laboratório e o primeiro carro que comprei era um táxi, um fusca azul, e tinha um motorista para dirigir de dia e outro para a noite. Meu segundo táxi foi um DKW e, no quinto ano, vendi um dos carros para viajar à Europa por dois meses e meio com 65 colegas da faculdade. Comecei a viver de plantão, tive que me virar para pagar as despesas. Aí sim começou a minha vida de médico, pois no quinto ano já dava plantão em pronto-socorro. Como o dinheiro andava bem curto, vendi até títulos de clube de campo. No meu trabalho, sempre digo que a gente tem que ser campeão, de que a gente tem que superar a sua própria força. Nunca corri atrás de ser famoso. A fama veio porque sempre fiz a coisa que achei que deveria fazer. O reconhecimento disso, o sucesso, não depende de você, mas de outras circunstâncias. Nunca corri atrás de sucesso, mas do meu próprio desempenho. Essa mudança de foco, que aprendi com meu pai, me levou muito longe.
Depoimento à jornalista Patrícia Rodrigues
Fotos de Renato Stockler e arquivo pessoal de Içami Tiba
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil