Conte sua história › Takeshi Misumi › Minha história
“Tio, fala pro Di-tian que agradeço muito por tudo que ele me ensinou. Peça para ele ensinar para a Naomi, tudo que ele ensinou pra mim”.
Pausadamente e bem próximo ao ouvido dele, falei em japonês o que o meu sobrinho Eduardo tinha pedido para transmitir. Apesar da péssima tradução, creio que ele entendeu, pois vi uma gota de lágrima escorrer por um dos lados do rosto. De tanto sofrer por longos três meses de internação, sem poder falar, ele já não tinha lágrimas para derramar. Di-tian Tadahide estava na cama hospitalar com os braços amarrados, com sonda no nariz e entubado na boca. Estávamos na UTI do hospital, para uma visita de alguns minutos. Di-tian Tadahide estava agonizante, creio que sob efeito de sedativo. Nas bordas da língua, dezenas de pontinhos pretos – nunca tive coragem de perguntar aos médicos ou enfermeiros o que era aquilo, mas creio que eram as inúmeras bactérias que se instalaram no corpo dele. Apesar de magérrimo, as pernas dele estavam inchadas. Pior: as coxas pareciam bexigas cheias d’água. Na semana seguinte o Di-tian Tadahide falecia com 91 anos.
Naomi é minha neta, primeira e única bisneta que Di-tian viu. Nasceu no mesmo hospital onde ele esteve internado por longos e agonizantes três meses. Ela nasceu no 8º andar, ele internado no 3º andar. Ainda lúcido pôde ver a bisneta, pegá-la no colo. Um mês após o nascimento da Naomi, ele falecia no mesmo hospital.
Eduardo, jovem com trinta e poucos anos, é filho da minha irmã Hideko, neto mais velho do Di-tian. Como conseqüência dos caprichos do destino, ele teve uma convivência próxima do Di-tian. Acompanhou juntamente com a mãe e irmãs, o Di-tian em muitas viagens. Freqüentou muito a casa dos avós. Essa freqüência diminuiu após atingir a adolescência, mas sempre que possível estava na casa do Di-tian. No período em que o avô estava no quarto do hospital, Eduardo passou várias noites em claro atento a qualquer movimento do doente. Di-tian sofria muito com as doenças que o atacaram. O pior era a alergia que o incomodava incessantemente. Parecia que de noite a coceira era mais intensa. Pedia para passar remédio que após algum tempo já não surtia efeito. Daí, pedia para passar pano úmido nas costas, nos braços, nas pernas, enfim no corpo todo.
Após transmitir ao meu pai, o pedido de meu sobrinho, fiquei a pensar na grandeza de espírito daquele recado. Creio que meu pai deve ter pensado a mesma coisa. A gotícula de lágrima que ele derramou confirmou essa dedução. O gesto demonstrou a satisfação dele em sentir-se vitorioso na longa caminhada da vida educando os filhos, e mais, ajudando os filhos a educar os netos. Ouvir da boca de um dos netos, pedindo para que ele continue ensinando as gerações seguintes, no caso a bisneta, é mais do que um reconhecimento do sucesso de sua empreitada, acima de tudo como educador.
Após três anos do falecimento do Di-tian, encontro com o Eduardo. No decorrer de uma conversa descontraída, ele começa a ressaltar o quanto o Di-tian foi importante no crescimento dele, Eduardo. Com muita exaltação, exemplificou as várias lições de vida que recebeu do avô.
Porém, o Eduardo é sansei que mal entende o japonês. O conhecimento dele do idioma japonês não é muito diferente de muitos não descendentes. O avô não era fluente em português. Como se explica este perfeito entendimento do mestre com o discípulo? Tanto o Di-tian como o neto Eduardo conversaram através do coração!
20080511
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil