Conte sua história › Takeshi Misumi › Minha história
“NÃO RESISTI! AS LÁGRIMAS JÁ ESCORRIAM PELO MEU ROSTO. LEVEI MINHA MÃO DIREITA, TAPANDO MINHA BOCA. COMECEI A CHORAR COPIOSAMENTE. UM SENHOR VEIO CORRENDO JUNTO A MINHA CADEIRA DE RODAS. AGACHOU-SE AO MEU LADO. AMAVELMENTE PERGUNTOU O QUE ESTAVA ACONTECENDO. DISSE-LHE QUE DURANTE TRINTA E CINCO ANOS CANTEI EM CORAL. NAQUELE MOMENTO ESTAVA REVIVENDO MEU PASSADO DE GLÓRIAS. NÃO CONSEGUIA PARAR DE CHORAR; MEU CORAÇÃO ARFAVA. DE ALEGRIA, DE EMOÇÃO, DE TRISTEZA, DE TUDO!
GENTILMENTE O SENHOR EMPURROU MINHA CADEIRA DE RODAS ATÉ PERTO DO PESSOAL QUE CANTAVA. COLOCOU-ME DIANTE DAQUELAS SENHORAS, HOMENS E JOVENS DO CORAL. CANTAVAM MELODIOSAMENTE AS MÚSICAS QUE DURANTE MUITOS ANOS CANTEI. AKA TOMBO, NANATSU NO KO, RIU SHU E TANTAS OUTRAS. E, EU SOLFEJANDO TODAS AS MÚSICAS NITIDAMENTE GUARDADAS EM MINHA MEMÓRIA. PARECIA QUE ESTAVA REGENDO AQUELE MARAVILHOSO GRUPO DE CANTORES DO AMOR, ACOMPANHADO PELOS SONS MELODIOSOS DO VIOLÃO DEDILHADO POR AQUELE GAIJIN-SAN. SIM, AQUELE GAIJIN-SAN, METADE DO ROSTO COBERTO PELA BARBA QUE, NO ANO PASSADO LEVEI ATÉ MEU QUARTO E LHE MOSTREI O MEU VELHO KOTOO QUE NÃO CONSIGO MAIS TOCAR. CONVERSAMOS. NÃO EM JAPONÊS QUE, ELE NÃO ENTENDE, NEM EM PORTUGUÊS QUE EU POUCO ENTENDO. CONVERSAMOS ATRAVÉS DA ALEGRIA NOS OLHOS, DO SORRISO NA BOCA. QUÃO AMÁVEL AQUELE GAIJIN-SAN!
TERMINARAM DE CANTAR. DESPEDEM-SE DE NÓS, INTERNOS DO IKOI NO SONO. LENTAMENTE VÃO SAINDO DO SALÃO ONDE SE APRESENTARAM. PARECE QUE NÃO QUEREM IR EMBORA. QUE QUEREM FICAR CONOSCO. MAS, TÊM QUE IR. DEIXAM CONOSCO UM POUCO DA ALEGRIA, DO AMOR, DA SOLIDARIEDADE. LEVAM COM ELES UM POUCO DA NOSSA SOLIDÃO, DA NOSSA DOR, DA NOSSA TRISTEZA.
POR FAVOR, FALCÕES PEREGRINOS DO AMOR, VOLTEM NOVAMENTE! ESTAREMOS ESPERANDO ANSIOSAMENTE. PARA VER O MOTITSUKI DA AMIZADE E OUVIR O CORAL DO AMOR.”
Comecei a idealizar o texto acima na volta da visita que fizemos ao Ikoi no Sono em 28 de setembro de 2003. Estávamos em dois ônibus fretados. Eram crianças e jovens escoteiros, senhoras, senhores e jovens integrantes do Coral, pais e mães dos escoteiros do Grupo Escoteiro Falcão Peregrino, pessoal do Seicho no Ie de Vila Sônia. Um grupo de pessoas bastante heterogêneo. Mas, uníssono no objetivo que nos levou até aquele longinquo local onde se encontra cerca de uma centena de internos do Ikoi no Sono. O objetivo era levar um pouco de solidariedade, de amor, de alegria para os di-tians e ba-tians (pessoas idosas), através do motitsuki (batida de moti = bolinho de arroz) e do coral.
Todos estavam exaustos pelo dia cansativo. Mas, satisfeitos e com a alma elevada pelo sucesso de nossa empreitada. Sentado na poltrona do ônibus, vendo a paisagem correr pela janela, pensava em como descrever aquelas cenas que tínhamos presenciado. Eram cenas marcantes, fortes, repletas de emoção. Ao sair do salão onde se encontravam os cadeirantes, todos foram tomados de forte emoção; muitos não contiveram as lágrimas; o choro era inevitável. Pensava comigo. Se fosse um pintor, tentaria retratar em tela aquelas cenas emocionantes. Ideal seria que houvesse alguma máquina, algum equipamento eletrônico capaz de captar de minha memória toda sequência das cenas ainda nítidamente gravadas na minha mente, e reproduzi-las em algum filme.
Tentei através das palavras descrever o que poderia estar passando na mente daquela senhora. Seria a visão de alguem presa a cadeira de rodas, rememorando o passado. O passado repleto de sacrifícios e sucessos, de tristezas e alegrias. O passado que volta ao ver as crianças e os jovens dando o abraço caloroso e fraterno. Que volta ao se encontrar com as jovens senhoras e senhores cantando a plenos pulmões as músicas que lhe eram familiares. Sadao Tamari é o gentil senhor que coordena essas atividades anuais de visita ao Ikoi no Sono. A sensibilidade do meu amigo Sadao percebeu no meio de dezenas de cadeirantes, a presença daquela senhora. Clovis Moreno, escultor e professor de música, é o “gaijin-san” que cativou aquela senhora, não somente através da sua admiração pela cultura japonesa, mas principalmente pela alma caridosa e respeitosa para com os mais experientes.
Neste mês em que a Imigração Japonesa completa cento e um anos, não poderia deixar de prestar minha homenagem aos di-tians e ba-tians que tanto sacrifício tiveram, que heroicamente superaram adversidades de várias espécies. Muitos deixaram sua pátria e foram forçados pelas circunstâncias da época a conviver com uma realidade bem distinta. Não bastasse isso, tiveram que sofrer as agruras de uma guerra mundial que colocou a terra natal (Japão) contra a terra que os acolheu (Brasil). Todos tem muita história para nos contar.Todos tem muito a nos ensinar. Esses heróis estão nos deixando. Estão levando essa grandiosa experiência. Será que apreendemos o suficiente com eles?
As opiniões emitidas nesta página são de responsabilidade do participante e não refletem necessariamente a opinião da Editora Abril
Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil