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O COMEÇO...
Conheci você antes de você me conhecer! Pelo menos uns dez anos antes de você me conhecer. Como? Quando?
O ano era 1961. Era o primeiro ano após a mudança da minha família, do interior para São Paulo. Eu ainda estava sofrendo pela difícil adaptação à vida numa cidade grande. No período da tarde, eu ajudava meu pai na quitanda que ficava na Rua Teodoro Sampaio quase esquina com a Rua Henrique Schaumann. Certa tarde, sem nenhum freguês, eu estava na porta da quitanda vendo o movimento da rua. De repente, um grupo de jovens vinha descendo no sentido Pinheiros, fazendo uma enorme algazarra. Eram cerca de dez jovens uniformizados. Se não me engano da Escola Antonio Alves Cruz, que ficava na Rua João Moura, duas quadras acima da Henrique Schaumann. Aos meus olhos destacou-se uma menina com traços orientais com enormes olhos redondos. Olhos que sorriam. De tão grandes pareciam jabuticabas. Eram emoldurados pelo rosto meio arredondado. Ela era uma das mais animadas jovens do grupo. Ao olhar ao seu redor, divisei uma figura conhecida. Era o Shigueki. Esse eu conhecia. Era meu primo de segundo grau. Ao me ver na porta de quitanda acenou com um rápido cumprimento. E o grupo se foi. A imagem da jovem sorridente de olhos grandes e brilhantes ficou na minha mente. A partir desse dia, sempre que se aproximava o entardecer ficava ansiosamente esperando aquele animado grupo de jovens passar em frente à quitanda. A animação daqueles jovens, principalmente o sorriso solto daquela mocinha me contagiava. Por alguns instantes esquecia da saudade que sentia da minha Andradina. Às vezes, quando eu estava atendendo algum cliente, ouvia as animadas risadas daquele grupo passando em frente à quitanda. Às vezes, a gritaria daqueles jovens se confundia com o estridente barulho dos bondes sobre os trilhos que passavam nos dois sentidos da rua. Os carros também faziam um barulho ensurdecedor ao transitar sobre os paralelepípedos da Rua Teodoro Sampaio. Naquela época, muitas ruas eram calçadas com paralelepípedos. O tempo passou... Não a vi mais...
DEZ ANOS DEPOIS...
Era o ano de 1971. Final de ano. Após alguns encontros casuais com olhares furtivos e conversas descompromissadas, resolvi propor namoro a uma colega da minha prima com quem reencontrei após alguns anos. Compromisso assumido, resolvi encontrar com ela na sua casa. Morava na Rua Bartolomeu Zunega, em Pinheiros. Caminhando, ao divisar o portão da casa dela, vi um casal de jovens de mãos dadas em posição romântica. De longe pareceu-me ser a minha namorada recém conquistada. Com outro homem? Não!!! Não é possível! Diminui os passos para pensar melhor... Mas, ao me aproximar do casal percebi que não era a minha garota. Era bem parecida. Mas, algo a distinguia. Alívio!!! Ao cumprimentá-los ela sorriu com os olhos brilhantes. Lembrei!!! Era a garota que passava em frente à quitanda. Dez anos passados... E, assim casei com sua irmã Norika, e tornei-me integrante da família Sato. Satiko, talvez eu nunca tenha comentado esse fato. Mas, guardo na memória até hoje esses fatos tão singelos mas significativos.
E O TEMPO PASSOU...
Não vou contar a nossa história, ou melhor a sua história. Não sou a pessoa indicada para essa tarefa. Existem outras pessoas em condições melhores. Que conhecem mais fatos sobre sua vida. Mas, não posso deixar de citar algumas ocorrências que me parecem relevantes...
Imagino o quanto você sofreu junto com a família nos idos de 1954. Era o ano do IV Centenário da cidade de São Paulo. Ano de muitas comemorações. Porém, para a família Sato foi uma época triste. Também, pudera. Poucos meses após o falecimento precoce do Takeyuki - tionam (primogênito) em setembro de 1954 com apenas vinte anos, morre Massako, a caçula da família em janeiro de 1955. Não bastasse isso, em novembro de 1955 falece o Sr. Takemori, chefe de família, acometido de terrível doença, na época fatal. Tinha somente 52 anos de idade. Por causa dessa enfermidade, a família foi discriminada e rejeitada. Sofreu preconceitos. Injustamente, mas aconteceram. Se foi difícil para o dinam (segundo filho masculino, com dezoito anos) repentinamente assumir o papel de chefe de família, como ditam as tradições japonesas, mais difícil foi para sua mãe Toyoko assumir o comando do destino de uma prole de dez pessoas, algumas ainda crianças. Comemorava-se na época o grande feito do Corinthians que foi o campeão paulista de futebol em 1954. Teria sido esse o motivo de toda a família Sato ser corintiana? Teria sido o Corinthians um oásis no meio de tanta tristeza que se abateu sobre a família? Ou o Corinthians resolveu ser campeão para alegrar um pouco a família?
Foi triste também o período em que sua mãe estava doente. Os últimos anos de sua mãe foram sofridos. Principalmente os trinta dias finais, quando ela estava agonizante no hospital. Era o ano de 1986. Testemunhei todo o drama da família. Sofri junto pois a sua mãe era uma pessoa boníssima, excelente sogra para mim. Contrariou todo preconceito pejorativo sobre sogra. Não resistiu às várias enfermidades falecendo em novembro de 1986. Dois anos antes, sua avó – obaassan Hatsuyo Hiramoto, tinha falecido. Em 1982, ou quatro anos antes, a família lamentara o falecimento precoce da sua cunhada Helena Sato e do seu cunhado Goroiti Tsujimoto. Satiko, foi realmente uma seqüência de anos muitos sofridos.
Momentos difíceis foram também quando o seu marido João teve aneurisma cerebral. Atendido inicialmente em Atibaia onde vocês residiam, ele foi removido para São Paulo. A delicada cirurgia teria que ser realizada em hospital com melhores condições. Lembro-me que eu acompanhei você enquanto os médicos faziam a cirurgia. Momentos de muita tensão, de muita agonia. Mas, felizmente a cirurgia transcorreu muito bem, e a recuperação foi totalmente bem sucedida.
Mas, a sua vida não foi somente sofrimento. Pelo contrário, foram inúmeros os momentos de felicidade. Felicidade que muitas vezes você construía. Com o espírito alegre e divertido você conseguia transformar a tristeza em felicidade. Foram muitas as tiradas cômicas que faziam mudar o estado de espírito dos que a rodeavam. Os mais sisudos não resistiam aos seus comentários com pitadas de humor. Talvez por causa desse modo divertido de viver, você era muito querida pelas crianças. Os meus filhos adoravam passar as férias em Atibaia. A sua presença em reuniões ou festas da família era a garantia de alegria e animação.
Para mim você era a onee-san (irmã mais velha) carinhosa e atenciosa. As suas perguntas e indagações eram não somente inteligentes, mas acima de tudo fraternas. A sua preocupação pelo outrem era autêntica, era altruísta. Lembro-me da pergunta inteligente que me fez quando eu me aposentei. Preocupada com o meu bem-estar indagou-me qual era meu projeto para o futuro. Fiquei muito sensibilizado pela profundidade dessa preocupação.
E assim, a sua vida transcorria na mais perfeita normalidade. Com alguns percalços esporádicos e momentâneos. Mas, eis que acontece a ....
FATALIDADE
Câncer no intestino com metástese no fígado. Era o diagnóstico que menos se esperava. Mas, era a dura realidade. Era o mês de junho de 2007. Para o ano seguinte esperavam-se inúmeras comemorações pelo Centenário da Imigração Japonesa. Mas, fazer o que...? Você teve que se submeter à cirurgia que retirou parte de seu intestino, obrigando-a a usar saco de colostomia. A dura rotina de tratamentos com cirurgias, quimioterapias, exames dos mais variados, remédios de diversos tipos. Tentativas com alternativas de tratamento na esperança de debelar a doença. Em vão. Dia após dia a sua saúde se debilitava. Creio que o sofrimento maior era ter que se locomover de Atibaia para São Paulo para fazer os tratamentos e exames. Ora semanalmente, ora quinzenalmente. A doença se alastrava em seu corpo. Sentia em seu rosto, a expressão da dor. Dor que você procurava esconder por trás daqueles olhos grandes que queriam sorrir. Mas que não conseguiam. Infelizmente, após um ano, em 20 de maio de 2008, você nos deixou. Você tinha apenas sessenta e três anos de idade, dez a menos que sua mãe quando ela faleceu. O destino levou você para a Eternidade. Deixou-nos orfãos do seu sorriso radiante, dos comentários hilários, do olhar penetrante e atencioso, do coração amável e fraterno. Ainda assim, sinto você bem perto de mim. Fecho os olhos, e vejo a figura de uma menina alegre com o olhar brilhante e o sorriso bem aberto nos lábios. Vejo a figura da mãe verdadeiramente materna, transmitindo todo o calor humano emanando do seu coração. Por isso eu peço a você, esteja onde estiver: CONTINUE IRRADIANDO ALEGRIA E FELICIDADE PARA NÓS. PARA A FAMÍLIA SATO E YAMANAKA. É NECESSÁRIO QUE A FELICIDADE PERMANEÇA NO SEIO DAS NOSSAS FAMÍLIAS.
KOKO NI SATI ARI = AQUI ESTÁ A FELICIDADE
AQUI ESTÁ A SATIKO!!!
20081212
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil