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Tizuko Shiraiwa

Tapiraí / São Paulo - Brasil
78 anos, Médica Sanistarista

Do Saint Lukes`s Internacional Medical Center de Tókio para Tapiraí, S.P.


Suzu Shiraiwa, era uma jovem enfermeira, que trabalhava no hospital mais importante de Tókio, o Saint Luke`s Internacional Medical Center, de 1935 até 1938. As fotos da época, bem como seus pertences pessoais (e que foram um pouco nossos brinquedos na infância) como a caixa de toucador laqueada com incrustações de madrepérola, luvas de pelica, roupas de seda, colar de contas coloridas, broche de pedras brilhantes, a vitrola de manivela acompanhada por um estojo com uma coleção de discos de 78 rotações com os clássicos da música ocidental, revelavam um estilo de vida bastante moderno, e com influências ocidentais, que ela levava em Tókio.

Nascida no dia 10 de maio de 1914, em Pusan, na Coréia, era a filha mais velha de Terumi Mori, um engenheiro enviado a Coréia pelo governo japonês e Sumi Mori, uma professora primária, ambos de Fukuoka.

Com a decisão da família de imigrar para o Brasil, ela viajou e desembarcou em Santos no dia 10 de agosto de 1938, acompanhando seus pais, 07 irmãos e outros parentes. Embora viesse com uma carta de recomendação para trabalhar no Hospital Santa Cruz, em São Paulo, coerente com a sua decisão de seguir com a família, foi para Tapiraí, trabalhar na lavoura, onde casou se com Akio Shiraiwa, com quem teve 10 filhos.

Sua formação em enfermagem, entretanto foi de grande valia para a comunidade de imigrantes. Ela e um farmacêutico, também japonês, eram os únicos recursos em saúde que a comunidade local contava. Ela era chamada para atender aos doentes, medicá-los e assistir aos partos. Quando os partos complicavam, o farmacêutico era chamado e ambos faziam os procedimentos mais complexos sempre que necessários.

Ela havia trazido seus cadernos de estudos de enfermagem bem como as caixas de aço inox, muito comuns na época, que serviam para a guarda das seringas, agulhas e pinças e ao mesmo tempo funcionavam como esterilizadores pelo sistema de fervura. Trouxe ainda outros instrumentais de enfermagem como bolsa de água quente, materiais para lavagem intestinal, etc.

Minha irmã mais velha relata que frequentemente minha mãe era chamada para fazer algum atendimento e que ela permanecia em casa cuidando dos irmãos menores. Esses cuidados garantiam o recebimento de doações voluntárias que contribuíram para o sustento dos filhos.

Eu tinha apenas 4 ou 5 anos, e minhas lembranças de minha mãe nessa época, em Tapirai, se resumem as idas ao rio para lavar roupa, quando meu brinquedo predileto era amassar com as mãos a argila retirada das margens; de sua coragem para afastar os bois que vinham beber água e nos assustavam; das músicas que cantava; dos jogos e brincadeiras para reduzir o fastio dos dias de chuva, nos estimulando a fazer origamis ou terubozus, ou simplesmente nos contando as histórias dos livros japoneses, sempre ilustrados.

Mesmo depois de mudar-se para o Brás, bairro de italianos em São Paulo, e mais tarde, para Guarulhos, lembro que ainda era procurada pela vizinhança para prestar cuidados em saúde, principalmente pelas grávidas e pelas mães de recém nascidos. Com a inauguração da Santa Casa de Misericórdia em Guarulhos, ela guardou o material de enfermagem e deixou de prestar estes cuidados, passando a ajudar meu pai na loja de ferragens. Seus conhecimentos e habilidades como enfermeira passaram a ser de uso familiar. Quando eu adoecia, receber seus cuidados e suas massagens eram muito confortadores.

Ela nunca deixou de contribuir com o orçamento familiar com seu trabalho pessoal. Passou a forrar botões e cintos e colocar ilhoses para as roupas das moças do bairro, muito na moda nos anos 60.

A educação diferenciada que recebeu, possibilitou a transmissão para seus filhos conhecimentos do campo da literatura, música, cinema e das primeiras palavras em inglês, além do estímulo permanente para os estudos. Em casa havia, além dos livros de contos japoneses, música de Chopin, Bethoven, Shubert, Lizst, Brahms, Mozart, Enrico Caruso e valsas vienenses; li, por sua indicação, na Biblioteca Municipal de Guarulhos clássicos da literatura universal como Tolstoi, Dostoiesvski, Alexandre Dumas, Vitor Hugo, Cervantes e Mark Twain.

Estava sempre sorridente, como manda a cultura japonesa, mas nunca esquecerei da entonação emocionada de sua voz ao relatar passagens trágicas dos livros e dos fatos: ao falar da guerra e da bomba atômica, ou de suas lembranças da Coréia ou de Tókio.

Retornou ao Japão em visita em 1975, quando sua maior alegria foi reencontrar-se com suas colegas do Saint Luke`s Nursing College.

Aos setenta, já viúva, foi morar só, numa casa que havia construído em um sítio em Santa Isabel. Ali viveu entre azaléias e orquídeas, lendo livros, jornais e revistas, fazendo o exercício cotidiano das tarefas domésticas como lavar , passar e cozinhar, escrevendo notas num diário e recebendo as visitas dos filhos, noras e genros, netos e bisnetos até 1998, quando faleceu.

Sua personalidade sempre transmitiu a todos muita força e energia interior e muita coragem para viver, e sua face, sempre sorridente, trazia uma pele que nunca perdeu o frescor. Os ressentimentos das adversidades vividas, jamais se sobrepuseram ao orgulho de sua formação profissional, de sua capacidade de trabalhar sempre, mesmo nas tarefas domésticas e da imensa família que havia constituído.

Quando estive em Tókio em 2006, minha maior emoção foi de reconhecer de longe, às margens do Rio Sumida, a mesma torre do hospital onde ela havia estudado e trabalhado e que eu conhecia de seu álbum de fotos. E me senti revivendo sua juventude, caminhando pelas ruas perfumadas pelas camélias brancas floridas, no entorno do hospital.

Para encerrar, gostaria de citar 2 comentários seus que ficaram em minha memória:

1) Sobre o filme Gaijin: “este filme é água com açúcar perto da realidade que os imigrantes viveram”.
2) Contava que durante a guerra, quando foi negada a venda de leite e carne para os japoneses, e meu pai havia caçado um macaco para dar de comer aos filhos:“ preparei o macaco aos prantos, dado a sua semelhança com o ser humano!”.


Enviada em: 29/06/2008 | Última modificação: 27/07/2008
 

 

Comentários

  1. SUSI SEGUCHI ORLETTE @ 30 Jun, 2008 : 17:36
    Oi prima, adorei seu depoimento, conviví pouco com voces, mas minha mãe me contou várias passagens dessa infancia sofrida. Nossas mães foram heroinas nesta terra.Abraços a todos!!

  2. Suzi @ 3 Jul, 2008 : 08:38
    Oi Suzi, que bom ler suas linhas. Vocês ouviram muitas histórias também. Abraços Tizuko

  3. Shiro @ 4 Jul, 2008 : 14:13
    Oi Tizuko, que narrativa!, confesso que fiquei muito emocionado!! parabéns pela iniciativa de trazer de volta as recordações desta GRANDE MULHER, a Dona Elisabeth, como era conhecida

  4. bibiana cs shiraiwa @ 8 Jul, 2008 : 06:09
    Tizuko, fico muito emocionada com o seu relato. Batian era muito forte e independente. Agora alguém deve escrever sobre o Dithan. beijos

  5. Mariana CS Shiraiwa @ 8 Jul, 2008 : 11:03
    Tizuko, Muito bonito e emocionante o seu relato. A Batian realmente marcou a todos nós. Beijo enorme.

  6. Juliana CS Shiraiwa @ 8 Jul, 2008 : 15:30
    Tizuko, muito obrigada por nos proporcionar esse relato da história da nossa família. Beijo enorme!

  7. Celina Yamamoto Nishimura @ 8 Jul, 2008 : 17:53
    Que história emocionante! Embora eu tenha convivido desde criança com a família, eu desconhecia os detalhes quanto a atividade da sua mãe como enfermeira. Sempre achei uma obatian simpática e boazinha! Que homenagem maravilhosa para a sua mãe!Parabéns!

  8. Camila @ 9 Jul, 2008 : 22:37
    Oi Tizuko, essa história é realmente emocionante. Temos sorte de termos nascidos nesta família! Algumas fotos sobre as passagens relatadas pela Tizuko estão no meu perfil: http://japao100.abril.com.br/perfil/816/galeria/

  9. Oi Tizuko @ 19 Mar, 2010 : 17:24
    Sou filho do Seijiro. Achei muto legal ler seu relato! Tb nao sabia dos detalhes que vc contou. Muito obrigado! Marcelo

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