Conte sua história › Luci Tie Kanaya › Minha história
Sou nissei e, coisa rara para o ano de 1960, nasci no Rio de Janeiro. Hoje em dia, há muitos japoneses no Rio mas naquela época ...... era quase um E.T! A família de minha mãe, Fumiko Kanaya, chegou ao Brasil em 1935. Seu pai Hachiezaemon Nakano e sua mãe Tsuya Nakano chegaram aqui com uma prole de 7 filhos: 6 homens e uma mulher, minha mãe! Como a maioria dos imigrantes, eles chegaram aqui atrás de uma melhor oportunidade de vida. Eles vinham de Fukuoka, embarcaram em Kobe e, após uma dura viagem de 40 dias de navio, desembarcaram em Santos. Eles se instalaram na fazenda de uma família italiana em Carlos Gomes para trabalhar na lavoura. A vida deles foi muito difícil mas, com muita garra e determinação, conseguiram sobreviver. Minha avó Tsuya faleceu em julho de 1945, um mês antes do final da 2ª Guerra Mundial e deixou minha mãe, com apenas 14 anos, convivendo com 7 homens! Não deve ter sido fácil, se impor como mulher neste “clube do Bolinha” e isso, certamente, influenciou muito na formação da personalidade dela: uma mulher forte, com vontade própria e muito impulsiva. Com 20 anos, ela foi para São Paulo trabalhar e lá conheceu meu pai. Meu pai, Chuji Kanaya, chegou do Japão em 1951, depois do final da guerra. Ele vivia com seus pais e seus 6 irmãos – 6 irmãos e uma irmã! Coincidentemente como na família de minha mãe! O Japão começava a se reerguer e ele quis “conhecer” o mundo e conseguiu um emprego em São Paulo. Para isso, ele teve que se naturalizar e, sempre dizia que, se orgulhava disso, pois adorava o Brasil. Era um japonês flamenguista que gostava de samba, churrasco e cerveja! Mas foi numa das grandes paixões da comunidade nipônica de São Paulo que eles se conheceram: num “yakkiu” – num jogo de baseball, onde ele jogava, que eles se conheceram. Ele também gostava muito de dançar e freqüentou uma escola de dança. Como tinha chegado ao Brasil sem família e morava com amigos, ele aprendeu a fazer todos os trabalhos domésticos e um dos seus melhores dotes era a culinária japonesa. Até hoje, meus amigos que conheceram seus sushis e sashimis, suspiram só de lembrar. E o sukiaki!!!! Maravilha! Hoje, com certeza, ele cozinha para os anjos lá no céu! Eles se casaram em São Paulo e se mudaram para o Rio de Janeiro onde meu pai conseguiu um novo emprego na Ishikawajima Harima. Ele veio antes para alugar um apartamento e minha mãe, alguns meses depois, com uma mala e no ventre, um bebê: essa que escreve pra vocês! Na mala, além dos objetos pessoais, havia panelas. Como companheiras de viagem, elas explicam minha paixão pela gastronomia.
Dois anos depois, minha irmã nasceu e, contrariamente, ao que um pai japonês gostaria de ter, ele teve duas filhas, duas mulheres! Os dois adoraram isso porque só tinham homens nas duas famílias!
Eu e minha irmã sempre fomos as únicas “japinhas” onde íamos: na escola, nos cursos de idiomas, nos grupo de amigos, etc. Não crescemos dentro da colônia japonesa e não fomos obrigadas a estudar japonês porque meu pai tinha a “errônea” idéia de que podíamos confundir os dois idiomas. Digo isso, pois, como professora de francês há 26 anos, sei que, crianças bilíngües aprendem os idiomas dos pais sem problemas. Mas enfim, aprendemos o japonês em casa e mais tarde, fui estudar no Curso de Idiomas da simpática e saudosa professora Rosa Sonoo que com seu marido issei, Akira Sonoo, aperfeiçoaram o aprendizado do idioma japonês a partir do “romaji” ou escrita romana. O curso deles teve seu auge nos anos 80 e 90 com alunos que trabalhavam na VARIG e voavam para o Japão.
Em casa, sempre recebíamos os amigos para comer com pratos japoneses. Em 1981, fui morar na França durante 2 anos e ao retornar, já tinha escolhido minha profissão: professora de francês. Até hoje, os alunos se espantam em ver um professora com feições nada francesas .... é engraçado! Na verdade, estudei vários idiomas e várias outras matérias: astrologia, gastronomia, esoterismo e já fiz de tudo um pouco: dei aulas de confecção de velas artesanais, de degustação de vinhos e participei como interpréte de japoneses em duas novelas da Globo, Zazá e Porto dos Milagres. Foi uma bela experiência contracenar com monstros sagrados da televisão brasileira como Fernanda Montenegro e Antonio Fagundes. Há alguns anos, pratico Yoga e tenho pensado seriamente em me tornar uma instrutora desta maravilhosa filosofia indiana. Casei-me com um brasileiro, descendente de ibéricos e tenho uma sobrinha mestiça com sangue de portugueses e italianos. Que mistura maravilhosa, podemos ter n o Brasil! Minha irmã está morando no Japão há apenas 1 mês para trabalhar. Por coincidência, no ano em que se comemora o centenário da imigração japonesa do Brasil, ela decidiu fazer o caminho inverso de meus pais: foi a Terra do Sol Nascente para tentar a vida.
Quando era mais jovem, me olhava no espelho e me perguntava: “ quem eu sou?? , pois me sentia tão brasileira, com um rosto japonês e falando francês!!!!. Por vezes, acabo perdendo um pouco a identidade, pois sei que sou uma mistura de sentimentos tão ligados a duas ou mais culturas tão diferentes! O que sei é que tenho orgulho de ter em minhas veias, este sangue de um povo tão lutador que soube sair de uma guerra em ruínas e se transformar em tão pouco tempo, numa das grandes potências mundiais e também saber que sou feliz por meus pais terem escolhido para mim, um país onde todas as raças convivem em harmonia, sem distinção de cultura, idioma e credo e que recebem sempre de braços abertos todos os povos estrangeiros que aqui chegam.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil