Conte sua história › Cristina Sano › Minha história
Desde pequena, ficava assombrada quando via atores representando, os bons, claro! Impressionava-me a verdade que eles transmitiam em cena e, apesar de saber que tudo era fictício, ficava profundamente tocada ao perceber que o ator era um ser que poderia compreender de forma muito contundente um outro ser humano a ponto de dar vida a um personagem!
Cursei Pedagogia e logo após, a EAD – Escola de Arte Dramática na Universidade de São Paulo (USP). Soube tempos depois que fui a primeira mulher nissei a ser admitida na EAD. Quando me formei, no mesmo ano, fui convidada para um teste na TV Globo e lá fui eu, sem muitas expectativas. As pessoas questionavam se haveria papéis para japoneses em produções artísticas no Brasil. Para minha completa surpresa, um mês depois, eu integrava o elenco da novela “Roda de Fogo”, de Lauro César Muniz, em 1987. Eu fiz o papel da Fátima, a Flor do Oriente, apelido dado pelo ator Osmar Prado. O apelido pegou de tal forma que até inventaram um bloco de Carnaval com esse nome! Foi a primeira vez que uma nikkey participava de uma novela em horário nobre!!! Naquela época, sem TV à cabo e sem concorrência de outras emissoras, a novela chegou a dar 90% de Ibope. Lembro-me que a repercussão foi enorme. Foi o momento mais marcante de minha profissão. (Veja na Galeria fotos de Cristina nas várias novelas em que participou).
Achei importante, na época, pois realmente existiam poucas possibilidades dos descendentes de japoneses no Brasil atuarem no campo das artes cênicas. Os comerciais da época mostravam os japoneses de forma estereotipada, quase ridícula. Então me chamaram para atuar no comercial da vodca Smirnoff, onde a protagonista era uma oriental, aquele coisa “cool-yuppie” dos anos 90. Apesar de não beber e não gostar de comerciais de bebidas alcoólicas, topei e achei bacana, pois mostrava uma japonesa normal, sem estereótipos, integrada socialmente, falando de forma correta (como qualquer descendente nascido no Brasil). O comercial foi veiculado durante cinco anos!
Outro momento marcante da minha carreira foi em “Zazá”, novela também de Lauro César Muniz. Eu fazia a intérprete dos negociadores japoneses, a Mariko. Foi marcante contracenar com a Fernanda Montenegro. Ela não é quem é à toa. Além de seu arrebatador talento, ela é absolutamente generosa como artista e pessoa. Em uma das cenas da novela, um dos diretores assistentes queria simplesmente cortar as falas em japonês (e detalhe: eu e o ator Ken Kaneco havíamos saído de São Paulo, pegado a ponte aérea para o Rio para gravarmos naquele dia apenas esta cena). Eu estava em lágrimas, afinal, tinha passado dias decorando em japonês. Fernanda parou tudo! Segurou minhas mãos e disse: “Vamos começar tudo de novo! Acho importante essa fala em japonês, pois afinal a comunidade japonesa no Brasil é imensa e merece todo o nosso respeito!”. Claro que a cena foi gravada e eu jamais me esqueci de seu gesto, tão carinhoso comigo, com o Ken e com a comunidade japonesa.
Mais um momento marcante foi em Buenos Aires, quando gravei a novela “Chiquititas”, do SBT! Morar por uns tempos em outro país é maravilhoso, pois obriga você a ver a vida sob novos prismas. E foi ótimo, principalmente, quando eu, meu marido, meu filho e minha sobrinha ficamos juntos. Sim, só faltou o gato! Lá conheci minha filha na ficção, Vivian Naguro, fofa, linda, ótima atriz.
Meu trabalho recente em TV foi na novela “Pé na Jaca”, na TV Globo, em 2007. Adorei! A novela era muito engraçada e o elenco ótimo, gente bacana, toda a equipe. Na época, havia sete anos que eu não fazia novelas, só participações em “Retrato Falado”, “Copas de Mel”, “Linha Direta”, etc. Retornar à TV me deu a chance de estar absolutamente tranqüila, sem expectativas, apenas aproveitando o que há de bom em se fazer TV. A minha personagem, Dona Mitiko, era muito engraçada, e o Carlos Lombardi, autor da novela, deve conhecer bem a comunidade japonesa, porque ele arrasou ao criar a Dona Mitiko! Ela se parecia com a minha mãe e com tantas da comunidade que eu conheço! A Daniele Suzuki fez toda a diferença pra mim, pois ela é talentosíssima e uma pessoa ótima. Ficamos amigas e acho que ela é um dos grandes talentos de sua geração. Contracenar com o Dan Nakagawa, que conhecia de tanto gravar comerciais juntos, foi um grande prazer. O elenco foi uma delícia, todos, sem exceção.
No teatro, destaco “A Mulher da Ilha”, meu primeiro trabalho como dramaturga. Estreamos no Teatro de Yuba, em meio às árvores, num teatro construído com troncos de madeira. Foi de arrepiar!!! A comunidade de Yuba é maravilhosa e tem um trabalho artístico fantástico!
Também fiz cinema! Na realidade, foi o meu primeiro trabalho profissional como atriz. Participei do filme “Cidade Oculta”, de Chico Botelho, ganhador de vários prêmios em festivais. Lembro-me que fiquei tão ansiosa, enlouquecida, que sofri um acidente de carro. Fiquei pendurada em cima do Minhocão! Perdi o controle da direção, num dia chuvoso, o carro capotou umas três vezes e dei de cara com um muro. Incrivelmente saí andando e não tive uma lesão sequer, a não ser dor no corpo todo, mas tudo inteiro!!! E fiz o filme!!!
Trabalhei no “Arsenal da Esperança”, casa de acolhida para pessoas em situação de rua. A proposta era, por meio da linguagem teatral, promover a inserção social e o aumento da auto-estima dessa população. O Arsenal atende a 1.300 pessoas, em diferentes condições. A primeira montagem com eles foi inesquecível. Fizemos “A Paixão de Cristo”. Como a entidade é dirigida por dois missionários católicos de origem italiana, a peça teve um valor simbólico impressionante para todos! O bacana é que o espetáculo era itinerante, ele começa num lugar e termina no Palco do Arsenal. As pessoas na rua vão acompanhando. É bárbaro!!! O elenco, composto por quase quarenta pessoas, foi aplaudido incansavelmente, pois até eu fiquei impressionada, eles pareciam atores profissionais e se entregaram à montagem, sem reservas, com intensa generosidade. Esse episódio modificou-me, fiquei muito tocada, pois independentemente da religião, a entrega, que significou a morte de Cristo, sua generosidade e amor, inundou-nos de fé na vida e percebi na pele que, a qualquer momento, é possível redirecionar a sua existência! Foi tão bonito, lidamos com os conflitos anônimos das pessoas e histórias de vida, que incluem, desde andar a pé de Recife a São Paulo por meses até a carência mais profunda, emocional e material. Mas o mais bonito era ver a alegria durante o processo e como é libertadora a realização!
Meu último trabalho foi na série policial chamada “9MM São Paulo”, que estréia em junho no canal Fox! Cada episódio tem um crime a ser desvendado pela polícia. A série mostra a criminalidade sem heróis. Os bandidos existem em função de uma sociedade que permite a bandidagem. Eu faço o papel de uma escrivã chamada Zelita, que trabalha em uma delegacia de homicídios em São Paulo. Ela é calma, tem cara de boazinha e anota todos os depoimentos. É bem feminina, ao contrário do ambiente masculinizado das delegacias. O figurino é da estilista Erika Ikezili.
Tenho enorme prazer em atuar. Penso no ator, como um ser multifacetado, pois a profissão exige um constante pensar e se relacionar, dar mergulhos verticais no tempo e dentro de si mesmo e, ao mesmo tempo, em relação ao outro. E outra coisa bacana: as mil possibilidades de ações. Faço teatro, TV, cinema, comerciais, oficinas de teatro, oficinas de comunicação e desinibição, aulas no Sebrae, escrevo peças, dirijo eventos e espetáculos. Escrevi para colunas sociais em revistas sobre a comunidade japonesa no Brasil e ainda trabalho com moda. Acho que essa riqueza de experiências, eu não teria possibilidade de ter vivido se não fosse atriz... Ah! e japonesa! Num mercado de trabalho muito concorrido, essa diferenciação só me ajudou. Trabalhei muito e espero assim continuar!
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil