Conte sua história › Cristina Sano › Minha história
Nasci e fui criada em São Paulo, mais especificamente no bairro da Lapa, na Rua Toneleros. Quando pequena, meu pai era dono de uma tinturaria e eu ficava no galpão, onde sempre entravam pessoas amigas e de onde eu via outras crianças, que eventualmente vinham brincar em casa.
Quando eu tinha uns 5 ou 6 anos, lembro-me de ter notado o meu vizinho, um garotinho brasileiro, chamado Maurício, que aparecia todo dia com um presente para mim. Um dia ele me deu uma rosa azul! Esse presente eu nunca esqueci! Maurício foi meu primeiro paquerinha. Um dia ele se mudou para o Mato Grosso e nunca mais o vi.
Meus pais trabalhavam muito, mas como o estabelecimento de trabalho era em nossa casa, pude contar com a presença deles o tempo todo, o que foi muito bom para mim. Houve obviamente momentos difíceis, quando minha mãe adoeceu e teve uma crise nervosa, aí sobrou pra todo mundo!!! Éramos eu e minha irmã. Sempre fui mais na minha, gostava de ficar sozinha com meus brinquedos, num corredor que havia em casa e sempre dormia com algum brinquedo. Talvez, por minha mãe ter estado diversas vezes doente, eu quase não tinha amigos e ficava sozinha, criando brincadeiras. Sabe que foi bom? Acho que foi esse momento de solidão que me fez criar universos para preencher esse “vazio”.
Quando entrei no 1º ano primário, na época com 7 anos, eu senti imenso prazer de estar em contato com outras crianças e de aprender. Estudei por alguns anos numa escola de língua japonesa, paralelamente aos estudos tradicionais. Meus pais sempre dominaram o japonês e o português. Eu mais compreendo o japonês do que falo, escrevo o básico, mas tenho dificuldade em falar fluentemente, por falta de treino mesmo. Na escola de língua japonesa, a gente brincava muito e lá aprendi a tocar flauta. Os professores eram mais rígidos do que na escola brasileira. O aprendizado do japonês para mim foi fundamental na profissão, pois fui colunista de uma revista voltada à comunidade japonesa e, quando fiz a novela “Zazá” na TV Globo, tive que falar o japonês fluente. Minha mãe e o ator Ken Kaneco me ajudaram muito.
O que marcou profundamente minha infância foram os passeios ao cinema. Eu e meu pai íamos toda a semana assistir aos filmes japoneses em cartaz no cine Jóia ou Niterói, na Liberdade. Como minha mãe cuidava de minha irmã, íamos apenas nós dois. Vi inúmeros filmes e um deles, que não me lembro o nome, mas era da época da chamada “novela japonesa”, vimos duas vezes ininterruptamente. Era um filme muito triste, mas lembro-me que adoramos. Na saída do cinema, invariavelmente, jantávamos em algum restaurante da Liberdade e o yakissoba era o nosso prato preferido (adoramos até hoje). Quando fecharam o cine Jóia e o Niterói, fiquei mal, pois era um ponto de referência para os japoneses e descendentes.
Na minha infância, meu pai foi fundamental para mim. Sua infinita paciência e gentileza são sentimentos que levo no coração para sempre. Justamente ele, que fora órfão de pai e mãe, transbordava generosidade na criação de suas filhas. É engraçado, dizem que uma geração depois da nossa, de alguma forma, tem a ver com a de seus pais. Meu filho tem o temperamento e a generosidade do avô!
Insisto na educação das crianças, pois tudo o que acontece nessa fase nos marca profundamente. Lembro-me de uma ocasião em que ele me levou ao circo, todo feliz. Chegando lá, a hora que apareceu o palhaço, com aquela bocona enorme vermelha e uns sapatos imensos e o cabelo todo arrepiado, eu simplesmente abri uma boca deste tamanho e quis sair de qualquer jeito. Que medo!!! Meu pai, muito fofo, enquanto eu dava um escândalo, me pegou no colo e tentando me acalmar, me levou pra passear em outro lugar. Nenhuma bronca, nenhum estresse.
Na adolescência, foi a época que mais tive amigos nikkeis, éramos uma tribo e saíamos muito. Meus pais sempre foram muito liberais e com uns 13, 14 anos, eu freqüentava o que era a balada de hoje: bailes dançantes, onde a maioria era oriental.
Há uma música desses bailes que ficou marcada, pois eu a achava muito bonita e tinha um refrão que dizia : “ Futari de doá o shimete, futari de namae o keshite, sono toki, kokorowa nanikao hanasudaroo”. Traduzindo: “E juntos fecharam a porta e juntos apagaram os nomes, então nesse momento, talvez de dentro de nós alguma coisa será dita”. Lá íamos eu e minhas amigas queridas, cheias de rímel, cílios postiços, produzidérrimas!!! Minha infância foi um tanto solitária, mas a adolescência foi a mil!!! Uma das melhores épocas de minha vida!
Durante todo esse período, lembro-me que, desde pequena, minha mãe mantinha um oratório japonês, com inscrições de pessoas da família já falecidas. Durante o dia, fazíamos oferendas, em pequenas taças de bronze, com porções de arroz, alguma fruta. Até hoje, ela mantém esta tradição!
Como toda boa japonesa, minha mãe cozinha maravilhosamente bem. Faz sushis e sashimis, várias iguarias japonesas, além do cardápio normal brasileiro. Isso foi ótimo, pois, desde criança, sou habituada a verduras, peixes, pouca gordura, enfim, uma alimentação saudável.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil