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A história de Kanetaro não poderia se esgotar sem a referência às mulheres da família, aquelas que estavam sempre prontas, ou postas, para “segurar a barra”. Talvez elas passassem desapercebidas se não fossem as adversidades que também atingiu essa família. Aliás, não é essa característica das mulheres? Por mais que algumas até possam parecer “do lar”, quando “a coisa aperta” são elas que são “paus pra toda obra”. Refiro-me, no caso dessa família, às tias Aiko, Kazuko e obaatchan Kiyo. Tinham também a minha mãe Fusa, primogênita e mais a tia Hanaye, mas elas se casaram mais cedo e não passaram por isso. Por isso as mulheres de Kanetaro eram as três.
Tudo começou com a venda do hotel para a compra de terras inexistentes no Paraná. A perda de praticamente todo o patrimônio da família fez com que as três, com as suas costuras, “segurassem a barra” pela primeira vez. Daí, o tio Ichio resolveu tentar a recuperação em terras no Mato Grosso, comprando-as em parcelas e contando com a venda da primeira produção para saldá-las. Uma geada destruiu toda a safra e acabou com esse sonho. A dívida ficou. As mulheres novamente entraram em ação. A produção delas e a renda de um bar que haviam montado em São José do Rio Preto é que os salvaram.
Então, partiram para São Paulo e recomeçaram com uma barraca de feira. Estavam até indo bem quando Ichio-san, que já estava casado, resolveu tentar montar um armazém em Santo Amaro. Não deu certo. Quem o socorreu? Toda a família e mais as costuras daquelas batalhadoras mulheres. Depois foi a vez do tio Haruo tentar algo em Diadema que também não deu certo, e não citado anteriormente. Então, comprou um pequeno sítio em Mogi para cultivar ponkan. Pensou-se que estava bem, até o primeiro Natal em que as tias, mais os pais foram visitá-lo. Ele morava num casebre sem nenhum mobiliário. Ficaram chocados. Mãos à obra, suas economias das costuras foram esvaídas agora em socorro do irmão Haruo. Construíram uma casa para ele, a mobiliaram e ainda compraram-lhe um pequeno caminhão para que pudesse transportar os produtos. Resolveram morar juntos. Pouco depois, o odiitchan teve um AVC (acidente vascular cerebral) que o deixou dependente e imobilizado de forma a precisar muito mais ainda da dedicação das três. Mas, após um tempo, acabou falecendo. As três resolveram então voltar para São Paulo, ficando o tio Haruo no sítio, agora, casado. Em São Paulo, as três resolveram morar junto com um outro irmão, tio Paulo, retomando a costura, mas... dia e noite! Posteriormente, por um tempo (mais ou menos dez anos) mudaram-se para uma casinha que montei para elas em meu sítio em Atibaia, mas, sempre, costurando! Até porque, gozavam de muito prestígio perante a firma a que serviam, tanto que se prontificavam a levar e buscar as peças de costura, independentemente da distância que fosse.
Porém, coincidindo com uma fase ruim para as confecções no Brasil, devido à concorrência global (China), somado ao “boom dekassegui”, tia Aiko resolveu ir para o Japão. Tia Kazuko ficou no sítio com a “batchanzinha”, conforme todos os bisnetos começaram a chamá-la para diferenciá-la de minha mãe, “batchan”, para eles. Mas, um certo dia, quando estava em “sua hortinha”, escorregou e se machucou. Daí, acamada, começou a aparecer outras complicações preocupantes, para ela que já chegava aos 92 anos. Tia Aiko, que estava no Japão, sabendo da gravidade de seu estado, voltou apressadamente para junto da mãe, que acabou falecendo em seguida. Baatchan Kiyo foi de uma coragem e valentia até o fim. Tanto que, em seu leito, e sem mostrar nenhum temor à morte, pouco antes, pediu desculpas a todos pela preocupação e trabalho que tinha dado. Pode? Ela foi, realmente, uma verdadeira mulher de Kanetaro!
Mais tarde, resolveram, ambas, partirem para o Japão, cuja decisão, acabou representando para a tia Kazuko três importantes atos pessoais: retornar à terra natal; retomar o desafio de novo trabalho a superar; e, pensar pela primira vez em independência pessoal, já que sempre vivera em função do interesse coletivo, da família. No tempo em que estiveram no Japão ( ~5 anos), adaptaram-se facilmente e muito bem ao modo de vida de lá, porque trabalho, disciplina, obediência, dedicação e resignação, requisitos japoneses, tinham de sobra! Tanto que, quando voltaram definitivamente ao Brasil, deixaram muitas saudades aos patrões nipônicos.
De volta, portanto, compraram dois pequenos apartamentos em São José do Rio preto e, hoje, como bem merecem, vivem uma vida pacata na segurança do próprio teto e na certeza de que são detentoras da admiração e gratidão de seus familiares. Longevidade e saúde é o que desejamos às heróicas protagonistas desta história que dignificaram, sem dúvida, e sempre, o “sangue azul” que lhes correm nas veias. “Taihen gokurosamadeshita”. Obrigado. Com amor. De todos nós, seus sobrinhos.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil