Conte sua história › Monja Coen/ Cláudia de Souza › Minha história
Em 1983, eu fui para o Japão. Não falava uma única palavra em japonês e fui parar no mosteiro de Nagóia, onde só havia japonesas, cuja maioria nunca havia tido contato com estrangeiros. Eu era a única não-japonesa lá. Havia só uma monja norte-americana, e ela estava se graduando quando eu cheguei. E tinha uma monja japonesa que falava um pouco de inglês, que me ajudava.
Eu cheguei a esse mosteiro com muita ilusão. Achava que não precisava falar japonês, que de coração a coração todo o mundo se comunica. Mas a abadessa me recebe e disse assim: “Você pensa que as pessoas aqui são todas seres iluminados? Não, são seres humanos. A prática do mosteiro é como se houvesse um monte de pedras numa caixa e nós sacudimos essa caixa. As pedras batem umas nas outras e se arredondam. Mas dói.”
Eu tinha visto filmes sobre mosteiros budistas, e era tudo muito solene. Mas a intimidade de um mosteiro não é solene. Nos meus primeiros dias lá, eu me lembro que fiz uma reverência para uma monja que vinha vindo, exatamente como eu havia visto no filme. Mas aí a monja olhou pra mim e disse: “Hiiiii!!!!” Era uma coisa muito informal. E eu tinha uma expectativa de filme, de livros medievais. Mas o que eu encontrei foram pessoas comuns.
Os dois primeiros anos foram muito difíceis. Eu não falava nada de japonês. Nas palestras, eu só conseguia entender o que o professor dizia porque ele escrevia algumas palavras no quadro negro, e essas palavras eu ia procurar no dicionário. Foi assim que eu comecei a aprender a língua. Nas aulas, eu acabava me identificando com tudo aquilo que não dependia de conhecer japonês. Como a cerimônia de chá, que não precisa de palavras. É só memória visual.
Durante dois anos, todo o mundo falou comigo de cima para baixo. Eu era aquela que não falava japonês. E não adiantava falar bonitinho, porque eu me atrapalhava. Então eram comandos diretos: “Faça isto, faça aquilo, beba, coma, pegue”. Eu só sabia falar em imperativo. Falava japonês como uma criança. Um dia, veio um monge ao mosteiro e coube a mim servir-lhe chá. Eu queria mostrar que sabia falar japonês e disse: “Nominasai!”, que quer dizer “beba!”, mas de uma maneira muito grosseira. Lembro-me que a minha superiora ficou vermelha até a raiz dos cabelos. E ela disse: “Coen-san precisa aprender japonês!”.
Ela me chamou na sala dela e perguntou: “O que você mais gosta de fazer no mosteiro?” Respondi: “É zazen, a meditação”. E ela: “Então será durante o período de meditação que você vai aprender japonês. Para você aprender logo”. E assim eu fui. Ia de metrô até o centro da cidade, tinha aula e voltava, duas vezes por semana. Foi quando comecei a sair um pouco do mosteiro. Antes disso, era reclusa.
Depoimento ao jornalista Xavier Bartaburu
Fotos: Carlos Villalba e arquivo pessoal da Monja Coen
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil