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Meu pai é filho de italiano. Ele tem olhos azuis, cabelo meio ruivo, não parece nada comigo. Por causa da minha avó, ele e a minha mãe namoraram escondidos. Minha avó era daquelas japonesas bem tradicionais e, para piorar, uma baixinha esquentada, nervosa mesmo. Ela não deixava que a minha mãe namorasse nenhum brasileiro ou nenhum descendente de outra raça. Então, meus pais namoraram escondidos. Eles se encontravam em cinemas no centro da cidade.
Era um namoro tão complicado que eles chegaram a terminar. Minha mãe disse que, daquele jeito, não ia dar certo. Eles ficaram uns 6 meses separados. Mas o meu pai, apaixonado pela minha mãe, continuou indo atrás, persistente. Ele disse: “Vamos chegar para sua mãe e dar o ultimato: ´Ou você deixa ou a gente foge´”. Aí minha avó acabou deixando. E o curioso é que ela acabou gostando dele. Viu que ele era um cara trabalhador, que também ralava. Virou o protegido dela. (Veja o vídeo em que o Japinha mostra fotos de sua família japonesa)
Não tenho muita certeza, mas parece que do outro lado da família também houve um certo estranhamento. Minha avó paterna, casada com meu avô italiano, era mineira, descendente de índios. E parece que ela também não achou muito boa idéia essa mistura. Japonês é uma raça diferente, com costumes diferentes. O povo em geral estranhava a gente, na época. Mas, depois que o preconceito foi quebrado, virou tudo uma família só, uma harmonia só. Preconceito, a gente sabe, não serve para nada.
Minha mãe é a mais velha de três irmãos. E o curioso é que meus dois tios também se casaram com brasileiros. Eu tenho vários primos mestiços. Depois que a minha mãe quebrou essa barreira, minha avó não implicou mais. Acho que era uma tendência da família.
Por causa dessa mistura, acho que a gente acabou perdendo um pouco das duas culturas. Minha família adquiriu hábitos muito brasileiros. Coisas que a minha mãe conta da infância dela, por exemplo, a gente não teve. Ela conta que o meu avô tocava um instrumento de cordas japonês, o shamisen. Ele animava festas e tocava em eventos como o Undokai, que era uma festa da colônia japonesa onde havia competições, comida típica. Na nossa casa, o máximo que tinha era um yakissoba que a minha mãe, às vezes, resolvia fazer, mas era raro. Eu mesmo comecei a gostar mais de comida japonesa de uns tempos para cá.
Eu me sinto brasileiro para caramba, mas me considero muito abençoado por ter herdado algumas características japonesas, como a disciplina, a humildade, o respeito à hierarquia. Muitas das coisas que hoje são parte da minha personalidade, eu acho que herdei da minha mãe. O gosto pelo estudo, o gosto pelos números, a disciplina, por exemplo.
Mas tem também o lado italiano, do meu pai. A minha família italiana era muito festiva, eles cantavam sempre na mesa. Meu pai punha música em casa todo dia, fosse música italiana, fosse música brasileira. O ambiente aqui em casa era sempre muito musical. Do lado italiano, a paixão pela música foi o que me pegou mais. E também o gosto pela massa. Sempre gostei mais de massa: lasanha, capelete, nhoque. Mas eu acho que ultimamente eu estou invertendo esse gosto. Pelo menos uma vez por semana eu vou a um japa.
Depoimento ao jornalista Xavier Bartaburu
Fotos: Carlos Villalba e arquivo pessoal de Ricardo Di Roberto
Vídeos e áudios: Estilingue Filmes
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil