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O que eu sei é que meus bisavós desambarcaram no porto de Santos em 1918. Vinham de Okinawa, a bordo de um navio chamado Wakasa. Chegaram aqui com uma mão na frente e outra atrás, uma malinha de roupa e bem pouco dinheiro. Foram logo para o interior, para a região de Matão, trabalhar nas plantações de tomate e algodão. Era tudo muito duro: não havia conforto, a alimentação era precária, a comunicação era praticamente impossível. Muita gente desanimou, voltou. Mas meus bisavós resolveram permanecer. Tiveram fibra e coragem para encarar essa bronca.
O mais legal disso tudo é que, pela persistência, meus bisavós puderam sobreviver e dar condições para que meus avós se desenvolvessem. E, de lá para cá, houve só progresso. Vejo pela minha mãe, que é a terceira geração da família aqui no Brasil. Apesar de ela não ter ficado rica, conseguiu fazer uma faculdade, saiu da roça (Veja o vídeo em que o Japinha fala sobre o progresso de sua família no Brasil).
Eu só conheci a minha avó, Luzia – cujo nome, na verdade, era Hume. Passei até boa parte da minha adolescência sendo “criado” por ela. Meus pais viviam deixando a gente com ela, para trabalhar, para sair, para viajar. Nós éramos três irmãos e mais um primo que morava com a gente, ou seja, quatro moleques tocando um terror aqui em casa. Então meus pais sempre pediam ajuda para ela. Ela era tão apegada a nós que, quando a gente ia embora, ela se despedia chorando de saudades antecipadas.
Quando minha avó veio do interior para São Paulo, ela abriu um bazarzinho onde vendia milhares de coisas: roupa, pipa, fogos de artifício. Era uma daquelas lojas de japonês que vende de tudo. Quando a gente chegava lá, era uma festa. A gente pedia linha e papel para fazer pipa, bombinha para soltar na rua, e a minha avó vivia dando.
Como o comércio dela não dava muito dinheiro, ela vivia numa casa humilde, lá no Parque São Lucas. Tinha só uma cama de casal, e nossa batchan, toda acolhedora, punha os quatro moleques para dormir na cama com ela. E a gente vivia super bem, super feliz. Criança, né? Não tem tempo ruim.
Eu vivia pedindo para a minha avó ensinar japonês para mim. Mas ela tinha uma certa dificuldade de ensinar as coisas para a gente, até pela pouca cultura que ela adquiriu. Minha avó nasceu na roça, tinha pouca educação. O que ela aprendeu de japonês foi com os pais dela. Ela até tentava ensinar, mas tinha que ser na raça. Eu pegava o que ela falava e anotava num papelzinho. Quando eu estava começando a aprender, com uns 12 ou 13 anos, ela faleceu. Para mim hoje seria ótimo saber falar o idioma japonês. Mas o pouco de cultura que ela passou para a gente – a religião, a culinária, a educação, o respeito –, isso tudo a gente tem até hoje. (Assista ao vídeo em que o Japinha fala sobre a sua avó).
Depoimento ao jornalista Xavier Bartaburu
Fotos: Carlos Villalba e arquivo pessoal de Ricardo Di Roberto
Vídeos e áudios: Estilingue Filmes
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil