Conte sua história › Daniele Suzuki › Minha história
Na minha infância, meu pai me levava muito à Floresta da Tijuca, no Rio. Fazia muitos barquinhos de folha. Toda vez era a mesma coisa. Isso eu lembro muito bem. Eu tinha 6 ou 7 anos. Ele foi muito bom pai durante essa época, brincava muito, me levava para fazer as coisas, tinha muito passeio. Praticamente toda semana a gente saía, ele me levava para comer churros.
Quando era pequena, eu me interessava pela cultura japonesa. Tanto que aprendi algumas musiquinhas. Tinha um caderninho onde escrevia os números que meu pai ensinava. Mas, depois que meus pais se separaram, fiquei dos 11 aos 18 anos sem ver meu pai. A partir daí, só o encontrava uma vez por ano. Meus pais se conheceram na faculdade Gama Filho, no Rio. Ele era judoca. Tem nome na história do judô no Brasil. Foi duas vezes campeão Pan Americano, quatro vezes campeão carioca. E minha mãe era campeã de ginástica rítmica. Os dois representavam a faculdade nos esportes. Ela fazia curso de Psicologia e ele, de Engenharia. Minha mãe é professora e dá aulas de dança moderna numa academia em Copacabana. Os dois tiveram uma academia até se separarem, a academia Suzuki, no Grajaú. Ela ensinava balé, e ele dava aulas de judô. Eu cheguei a fazer aulas com o meu pai. Quando se separaram, venderam a academia. Hoje, meu pai trabalha como engenheiro, desenvolve umas máquinas de ginástica... É um inventor.
Tive uma infância excelente. E mesmo a minha adolescência foi boa, apesar dos problemas familiares, da separação dos meus pais e das mudanças de casa, de bairro e de escola. Morava no Grajaú, depois fui para o Flamengo, Botafogo, pipoquei por muitos lugares, casas de muitas pessoas, passei por muitos problemas financeiros. Vivia com minha mãe e minha avó, e passamos muitas dificuldades. Nessa época, minha irmã morava nos Estados Unidos, com uma tia. Com 13 anos, eu tinha ganhado uma bolsa de balé nos Estados Unidos, mas voltei depois de dois meses porque não me adaptei, e minha irmã ficou lá. Para a minha mãe, era menos uma filha para administrar.
Foi um processo muito complicado por causa do afastamento do meu pai. Ele não apenas foi embora como deixou vários problemas. Minha mãe tomou conta de tudo sozinha. Ela me ensinou a contornar isso tudo como se não fosse um problema, mesmo sem casa, sem nada, sem ter dinheiro para comer. Para ela, passar fome era uma coisa normal... “Está tudo OK”, dizia ela. Nada disso era problema para ela, tudo era experiência de vida. Minha mãe é uma pessoa muito espiritualizada, é quase uma japonesa, tem um pensamento muito parecido com o do budismo. Toda a minha postura, na vida pessoal e no trabalho, foi moldada pela minha mãe, com certeza.
Não fiquei com o menor problema com relação ao meu pai. Hoje, falo com ele raramente por e-mail. Numa boa, eu falo: “Pai, amo você, se cuida aí, reza, evolui espiritualmente, porque você está um pouco atrasado ainda. Olha o desapego material, está com seus valores trocados, não sei o quê...”. Minha mãe é que me passou essa postura, para que eu não crescesse com raiva dele, não fosse rebelde, com problemas.
Com relação à família do meu pai, tive pouco contato. Eles não se interessaram muito em se aproximar. Nas poucas tentativas que fizemos, eles não quiseram muito envolvimento, não sei se por conta de os japoneses serem muito fechados. Acho que os japoneses lá no Japão podem ser assim, é normal. Mas acho que aqui foi por causa de problemas familiares, já que são paulistas, apesar de serem filhos de japoneses. São dramas familiares.
Mas vejo um lado bom! Na minha família tem uma mistura de tudo: japonês, italiano, alemão... Minha avó materna era do Ceará, minha mãe é mineira. Cada uma acrescenta uma coisa. Gosto de misturas. Acho bom também preservar a cultura, não perder suas particularidades, individualidades. Mas, quanto mais misturado, mais versátil.
Depoimento ao jornalista Paulo Ricardo Moreira
Fotos: Carlos Ivan Siqueira / divulgação da TV Globo / arquivo pessoal
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil