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Quando visitava a Avó materna, Obatian em sua casa no bairro do Paraíso, sempre costumava observar o altar dos antepassados, (butsudan em japonês) que Oba mantinha em seu quarto. Ao lado do altar havia um retrato emoldurado em preto e branco. Quando criança não sabia que o senhor na foto com semblante sério era o meu avô.
Sempre tive curiosidade de conhecer a sua história, quem era a pessoa por trás do retrato e que Oba sempre mantinha pendurado na parede. As histórias de Obá Satiko e Odi Sadashi da foto acabam se entrelaçando. Fica difícil contar a história de Oba sem a presença de Odi e vice-versa.
Obá nasceu em 1916, em Inácio Uchôa, distrito do município de Rio Preto, hoje São José do Rio Preto, localizado a noroeste do estado de São Paulo. Seu pai Suehiro, monge xiintoísta e sua mãe Tozio junto com suas irmãs maiores Shizuko e Tamano são provenientes de Kumamoto, sul do Japão. No porto de Kobe, a família Sakamoto embarcou no Teikoku-Maru no dia 28 de agosto de 1913 e chegou no porto de Santos no dia 24 de outubro do mesmo ano e seguiram para a Fazenda Estação Vila Costina no estado de São Paulo.
Obá foi a primeira filha a nascer no Brasil, seguido de Fukume, Itsue e o único irmão Hiroki.
Anos antes, em 1910, do outro lado do globo, Odi Sadashi nasceu na província de Hiroshima, era o segundo filho de quatro irmãos.
Seu pai Saro Yamamoto, no final do século XIX trabalhou como imigrante no Havaí. Aos 21 anos, Odi contra a vontade de seus pais embarcou para o Brasil com a promessa de enriquecer e retornar para o Japão. Seu irmão Genichi o acompanhou anos depois.
Ao contrário dos outros pretendentes rumo ao Brasil, Odi não embarcou como imigrante. Tinha uma vida estabelecida em Hiroshima. O destino no Brasil era alugar uma chácara e trabalhar na região da baixada seca em São José do Rio Preto.
No primeiro ano de Brasil em 1932 no começo de sua longa jornada por estas terras, Odi conheceu Satiko Sakamoto que tinha 16 anos e se apaixonou. Ela viria a se tornar sua esposa e companheira por uma vida inteira.
Quando Oba casou, adicionou o sobrenome de Odi e manteve o sobrenome de solteira, Satiko Sakamoto Yamamoto, fato incomum na época, que as mulheres abdicavam o sobrenome de nascimento.
Este mesmo ano eclodiu a Revolução Constitucionalista. Odi vendia sua mercadoria, verduras que plantava no centro da cidade de Rio Preto. Certo dia ao retornar a sua chácara, encontrou pessoas da cidade que se refugiaram em sua propriedade. Estas pessoas imploravam por comida e água. Odi decidiu doar tudo o que plantou. Acabado a revolução, Odi se deparou com a praga de gafanhotos que devastou a sua plantação.
No ano seguinte, em 1933 Yukie sua primeira filha nasceu. Odi arrendou uma fazenda em Jacinto de Melo no município de Onda Verde, região de Gurita, em parceria com seu irmão Genichi e seu primo Taminosuke. Neste local para construir o poço e preparar o terreno era necessário devastar o matagal. O servente da fazenda ateou fogo no instante que Odi se encontrava próximo ao poço. Com este incidente Odi ficou cercado pelo fogo e passou oito meses no hospital com queimadura de terceiro grau chegando quase a falecer. A redenção para esta tragédia foi o nascimento de seu filho Teruhide.
Odi recuperado de saúde, voltou ao trabalho e contratou o serviço de Tohtaro Tanaka, imigrante foragido de outras fazendas. Masatoshi seu terceiro filho nasceu em fevereiro de 1937, mesmo mês que o irmão do Odi, Genichi faleceu em um trágico acidente com carroça.
Com a perda de Genishi e antes de iniciar a segunda guerra, bisavô Saro no Japão chamou seu filho Odi com sua família e sua nora, viúva de Genishi, Kimiko e seus três filhos, Toshihiro, Toshihiko e Shigeko para retornar. Odi tinha planos neste sentido, mas as dificuldades financeiras ocasionadas a empréstimos a amigos e o advento da guerra liquidaram o sonho de retornar a pátria mãe.
Teruhide apresentou em seus primeiros anos de vida, sintomas da paralisia infantil. Para seu tratamento Odi e Oba foram para São Paulo e moraram durante meses em uma pensão, enquanto o restante de sua família permaneceu em Rio Preto.
Em 1939 nasceu Yasuo. Em sua infância, Yasuo subitamente entrou em estado febril, chegando quase a falecer. No hospital o médico informou o pior, que ele não iria sobreviver, Odi desolado chegou a fazer o preparativo fúnebre.
A cura para os males de Yasuo era uma receita milagrosa atribuída a Oba, uma solução caseira e simples: mingau de arroz, feito com arroz moído.
Durante a guerra, veio mais uma época difícil para os Yamamotos. Nesta época, Odi e Oba trabalharam em plantação de algodão. Com a perseguição a japoneses no país, a família teve a sua casa vigiada e invadida por policiais que faziam ronda durante a noite. O que muitas vezes forçou a família a dormir em um matagal próximo.
Kinue nasceu em 1941 com o nome na qual Odi homenageou a sua mãe, Kinu. Ela também apresentou problemas de saúde. Foi uma época difícil para a família, principalmente para Obá que sofria com a saúde debilitada de seus filhos.
Com a lavoura sem apresentar maiores resultados, Odi tentou a sorte junto com seu amigo Tsumoru Fukayama que propôs abrir uma pastelaria em Itabira, Minas Gerais, distante 100 kilômetros de Belo Horizonte. A família de Odi permaneceu em Rio Preto. Odi e seu sócio ficaram pouco tempo na cidade, pelo fato de serem japoneses, policiais invadiram a residência onde moravam e assim tiveram que regressar ao interior de São Paulo.
Assim, em Rio Preto, na Rua Bernardino de Campos, próximo ao Hotel São Paulo, que futuramente iria sediar o local de criação do América Futebol Clube, e na mesma calçada do consultório do conhecido médico da época, Senobirino de Barros no centro da cidade, Odi abriu um novo estabelecimento, um bar. Um ano depois seu cunhado Hiroki, irmão caçula da Obá, o único homem da família Sakamoto a quem Odi cedeu o sítio Jacinto de Melo de sua propriedade e todo o material que utilizava na lavoura, faleceu após três dias de alta febre, vítima de meningite.
Devido as circunstâncias da época da guerra, Odi estava desolado e cansado do tratamento que recebia no seu comércio e foi vítima da violência policial que o acusava de 'quintas-colunas' (termo que significa traidor da terra que o acolheu). Tempos depois, o desgosto também viria, pela sua convicção, Odi admitia que o Japão perdera a guerra, e esta posição não era compactuada por parte de seus conterrâneos, em solo brasileiro.
Neste período Odi comprou uma fazenda chamada Canela junto com seus cunhados Sr. Saburou Horie e Sr. Kouhei Noguchi. Mamãe Amélia Harue, a primeira filha a adotar um nome ocidental nasceu no término da segunda guerra em julho de 1945.
Devido ao embargo comercial da época da guerra com o café, que era um produto desvalorizado, Odi tentou plantar amora e criar bicho da seda, mas a terra imprópria ao cultivo do café impediu que Odi alcançasse o objetivo.
Apesar das dificuldades no Brasil, Odi com o término da guerra enviou caixas com provisões a sua família em Hiroshima, local devastado com a bomba atômica.
A mudança esta a última da família viria com a chácara na Vila Ercília. Nesta chácara Odi plantou legumes e verduras e seu filho caçula Jorge Shigeru nasceu. Tudo caminhava bem até Odi receber um mandato da prefeitura que ordenava a desapropriação de suas terras para a construção de uma represa e de uma avenida (a futura Avenida Alberto Andaló). Odi perdeu 3/4 de sua propriedade. Sobrando 10 lotes, 1 lote ainda Odi vendeu para a fábrica de óleo Swift do Brasil.
A década de 60 prometia mudanças para a família Yamamoto, Yukie casou, Yasuo e Massatoshi foram para São Paulo e com a ajuda de Odi montaram uma ótica no bairro da Liberdade. Teruhide partiu para o Rio de Janeiro.
Odi e Oba permaneceram no interior até meados de 1968. Este ano turbulento, Mamãe foi para São Paulo onde testemunhou tanques do exército tomando as ruas do centro da cidade. Tempos depois Odi e Oba foram morar na metrópole, mas Odi não se acostumou com a vida na cidade.
Para esquecer as dificuldades da terra hostil, Odi consumia garrafas de vinho que sempre mantinha sobre o pé da mesa de jantar. Mirando o horizonte a sua frente de sua chácara em Rio Preto, sabia que nunca mais iria retornar ao seu verdadeiro lar, reencontrar sua família e ver mais uma vez, o mar que circunda a região montanhosa das encostas que nasceu em Hiroshima.
Odi segurando as mãos de Yukie, sua filha mais velha, partiu deste mundo no segundo dia de uma nova década, 1970, vítima de câncer no fígado aos 60 anos de idade.
Obá agora sozinha, vendeu a chácara no interior e comprou uma casa em São Paulo, onde viu seus filhos casarem e darem netos. O retrato em preto e branco de Odi sempre permaneceu ao lado do altar, onde Obá todos os dias acendeu um incenso e orou pelo marido até o fim de sua vida.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil