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Terubô, Mabô, Yoshibô!''
(Wakako Sato)
A primeira lembrança que tenho da minha Avó paterna ou Obá como carinhosamente a chamávamos é que ela se considerava feliz por morar no Brasil, sua cor favorita era o bordô e as lembranças que contava. Estas lembranças repletas de detalhes nos transportavam para o passado, na pequena cidade de Obihiro, na cidade que nasceu, no extremo norte do Japão, província de Hokkaido.
Seu Pai, Koso Seichi é oriundo de uma família abastada de Sendai e como filho caçula transgrediu as regras da época e se casou com uma moça de família simples, Ishi Yamada. Ele se apaixonou perdidamente pela moça de beleza peculiar e decidiu tentar a sorte a seu lado se mudando para o norte, na província de Hokkaido.
Obá nasceu no ano da serpente no calendário chinês, 1917. Foi a segunda filha e cresceu no seio de uma família que possuía uma pequena loja de mercadorias na cidade.
Apesar das dificuldades, Obá sempre gostou de estudar, fato percebido por seu pai que a surpreendeu certo dia ao perguntá-la se ela não gostaria de mudar para a família de seu irmão mais velho, que tinha posses mas não tinha filhos. O pai de Obá garantiu que assim ela poderia estudar nos melhores colégios e merecer a educação que fosse necessária.
Os pais então levaram a pequena Obá até a casa de seu tio na cidade de Sendai, provícia de Miyagi e se despediram. Passaram-se os dias e Obá aos prantos pediu para seus pais irem buscá-la. E assim foram as palavras de Obá: 'mesmo com todo o dinheiro, educação, melhores colégios, eu não trocaria o amor que sinto pelos meus pais'. E assim Obá, junto com seu pai e mãe retornaram felizes para Hokkaido.
Os anos passaram e os negócios não iam bem na loja, então o patriarca teve uma idéia que iria mudar a vida de sua família de pernas para o ar. Decidiu refazer a sua vida e de seus entes em um lugar distante.
Obá, meses antes da tal viagem, para reforçar as finanças da família trabalhou como cobradora de passagem em ônibus que cruzava a cidade de Obihiro. Chegado o dia de informar sobre sua saída a seus superiores, seu chefe mostrou certo desapontamento porque considerava Obá uma ótima funcionária.
Assim, no dia da grande viagem, 29 de setembro de 1934, a bordo do navio Arabia-Maru, no porto de Kobe a última foto da família Seichi foi registrada. Senhor e Senhora Seichi e os nove filhos, todos com vestimentas ocidentais, ternos para os homens e vestidos com chapéus para as mulheres.
No dia 22 de novembro, os Seichis desembarcaram no porto de Santos. As primeiras noites a família passou em uma pensão, depois embarcaram para um mundo novo, o eldorado prometido no Japão, a região da Mogiana no estado de São Paulo, na fazenda de plantação de café, chamado Jaguarão.
A adaptação foi difícil para a família desacostumada com o calor e com o trabalho puxado no campo. Dificuldade essa encontrada por grande número de imigrantes.
Anos mais tarde, devido a problemas de saúde que o irmão mais novo da Obá, Takeichi apresentava, a família se mudou para uma cidade próxima das encostas de Campos do Jordão. O ar de Campos, prometia 'propriedades terapêuticas', que infelizmente não correspondeu com a saúde debilitada de Takeichi que veio logo a falecer.
A família viria a se mudar mais uma vez, e que acarretaria em mudanças na vida para Obá. Eles se mudaram nas proximidades hoje, da companhia Suzano de papel, próximo a Mogi das Cruzes para trabalhar em cultivo de morango.
Certo dia Obá recebeu a notícia de um rapaz solteiro, professor que gostaria de conhecê-la. Odi foi ao encontro do lar dos Seichis e se encantou pela Obá.
Na época havia o costume da noiva se preparar antes do casamento aprendendo prendas da casa como cozinhar e costurar. Assim, por intermédio de Odi, Obá se matriculou na famosa escola na época "Akamagakko" um casarão que tempos atrás se localizava ao lado da caixa d'água na Vila Mariana.
Durante este período, Odi enviou inúmeras cartas para Obá que não foram correspondidas. Obá, não respondia com receio que sua escrita tivesse erros e por dirigir a carta um professor.
Mesmo assim, com a benção do Sr. Keita Harada, Obá e Odi selaram a união em uma grande festa que reunia família e amigos. Não faltou a típica foto dos noivos em estúdio para depois enviar aos convidados do casamento.
Quando vieram os filhos, Michiko sua primeira filha foi a única registrada no Kooseki Tohon, registro japonês que Odi enviou para o Japão. Papai Teruaki, Yoko e Massaaki nasceram em período conturbado da segunda guerra mundial.
Obá foi batalhadeira no serviço de lavanderia para sustentar os seus quatro filhos junto a Odi. Prezava o pagamento de suas dívidas mesmo que faltasse comida em seu prato. Apesar do rigor, sobrava delicadeza em seus movimentos na prática do "Odori" dança típica japonesa.
Com o passar dos anos e com o aumento da família, Obá trocava e misturava os nomes de filhos, genros e netos, sempre com a terminação 'bo', de modo carinhoso. A exemplo de Terubô que é o nome de papai Teruaki + bô.
Ficam as lembranças de Obá ao ver uma pequena folha bordô se desprendendo do galho e flutuando até cair. Sua dança magistral pelo ar dignifica uma existência de luta, crença em vencer as adversidades, amor e todo o legado de sabedoria que Obá passou para nós.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil