Conte sua história › Kaoru Ito › Minha história
Passei toda a infância em Nagasaki. Mas eu não gostava de morar lá. Queria ir para Tóquio, onde tinha centro de pintura. Aí, comecei a distribuir jornais de manhã e à tarde, pra ganhar uma caixinha. Em tempo de calor, eu pegava ostras e vendia. Aos 16 anos, eu já tinha ajuntado boa monta. Já dava para pagar os estudos em Tóquio. Mas eu vi numa revista americana um anúncio que falava de estudar aerografia em Roma. Contei o dinheirinho que eu tinha e vi que dava pra ir. Minha mãe foi contra. Me deu até tapa na cara.
Mas eu fui. No sexto mês, acabou o dinheiro. Havia esquecido que, além do curso, eu precisava me sustentar lá. Eu podia atrasar a mensalidade do curso e da pensão, mas não podia deixar de comer. Aí eu e outra aluna, uma tcheca, fomos para a praça desenhar o rosto das pessoas em troca de comida. Foi ali que eu comecei a aprender comércio.
O problema é que italiano não gosta muito de oriental. Me chamavam de chinês e não davam bola. Então eu pus a tcheca pra puxar freguesia. Ela não era muito boa de pintura, mas era muito bonita. Ela chamava o cliente, e eu pintava. Se o freguês gostasse, enfiava a faca. Se não gostasse, dizia para pagar pelo menos um sanduíche. Com isso, consegui pagar a comida, a pensão e a escola.
Depois de três meses pintando na praça, apareceu um senhor. Ele queria que eu fizesse um pintura na casa dele, direto na parede. Combinamos um preço, que era uma fortuna para a gente naquela época, e fomos lá. Eu e a tcheca. Ficamos dois meses vivendo naquela casa.
Antes de aparecer esse trabalho, eu havia mandado uma carta para o Japão, pedindo dinheiro para a minha mãe. A carta levou um mês e meio para chegar, e o dinheiro, outro mês e meio. Três meses depois, quando o dinheiro do Japão chegou, eu já tinha conseguido pagar todas as contas. Mandei o dinheiro que mamãe mandou de volta, e ainda o dinheiro que eu tinha sobrando. Aí, ela ficou sossegada.
Fiquei um ano estudando na Itália. Depois, logo fui para a Espanha. Um colega meu, espanhol, queria que eu desse aula em Madri. Eu tinha 17 anos e já me chamavam de professor! Meus colegas me consideravam um fenômeno, porque eu tinha a facilidade de manejar o aerógrafo.Isto porque eu tinha praticado shodô desde 8 anos de idade. Isso é costume de japonês, que segura o pincel no ar para escrever. Não é que nem brasileiro, que pega a caneta e apóia a mão no papel.
Fiquei 8 meses na Espanha. Depois fui para a França e depois para Nova York. Mas lá eu fiquei pouco tempo. Não gostei dos alunos. A gente ensinando e o pessoal sentado na mesa, conversando. Não obedecia. Eu não queria nem receber salário. Fiquei três meses. Daí, voltei para o Japão.
Depoimento ao jornalista Xavier Bartaburu
Fotos: Carlos Villalba
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil