Conte sua história › Kaoru Ito › Minha história
Nasci no mês em que a guerra começou, a guerra contra a China. Cem dias depois, meu pai faleceu. Conheço meu pai só através de foto. A família toda morava na casa da minha avó, mãe do meu pai. Era em Nagasaki, no Japão, mas fora do centro.
Minha lembrança mais antiga é de quando eu tinha 6 anos. Foi uma briga. Não lembro o motivo, mas sei que era contra um adulto. A gente tinha uma espada em casa, que era do meu pai. E eu lembro que fiquei tão bravo que apanhei a espada e queria ir lá cortar a pessoa! Mas eu nem conseguia levantar a espada, de tão pesada que era.
Com 8 anos, conheci a bomba atômica. Foi no dia 9 de agosto. A gente estava no sítio da família, a 3 quilômetros de onde ela caiu. Nagasaki tem duas montanhas grandes. A bomba caiu no meio e eu estava do outro lado. Eu e meu irmão estávamos brincando numa área de plantações, em uns terraços na encosta da montanha. Quando a bomba explodiu, nós sentimos um vento muito forte, igual tufão. Eu e meu irmão batemos na parede e ficamos meio desmaiados. Em Urakami, onde a bomba caiu, estava tudo escuro, aquela fumaça. E a gente via pedaços de madeira, de casas, voando no ar. O telhado da nossa casa voou todo. A casa ficou pelada.
Depois de oito dias, eu fui lá procurar o meu tio, que trabalhava em Urakami. Antes não podia ir, tinha polícia que não deixava. Mas eu não encontrei o corpo do meu tio. Só o braço. Estava todo preto, mas dava pra ver a tatuagem com o nome dele. Por isso a gente conseguiu identificar. Na época muita gente tatuava o nome. Se morresse, os outros saberiam quem era. Aí peguei o braço do meu tio, botei nas costas, levei pra minha casa e nós queimamos. Eu não tinha medo. Fuçava no meio de gente morta, fedendo, e não tinha medo. A gente lembra agora, dá arrepio no corpo. Eu não teria coragem de fazer isso hoje.
Depois da bomba, comecei a treinar judô e caratê. Eu queria me vingar, queria matar americano. Quando um americano passava, a gente apontava bambu de três, quatro metros de comprido, e dizia que ia matar ele. Meus tios tinham uma academia de polícia, e eu fui lá estudar artes marciais. Judô eu já estava autorizado a estudar, mas caratê não. Eu estudava escondido.
Ao mesmo tempo, eu tinha um tio que era pintor. Ele tinha uma academia de pintura, e com 10 anos comecei a estudar com ele. Chamava-se Taketaro Noda, é uma pessoa muito conhecida no Japão. Pintou muitas imagens sobre a guerra. Com ele, entrei firme na pintura. Dormia lá, comia lá, ajudava meu tio. Ele pesava 248 kg, e não conseguia deitar de tão gordo que era. Ele dormia sentado.
Depoimento ao jornalista Xavier Bartaburu
Fotos: Carlos Villalba
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil