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Minha infância foi muito variada e interessante. Por volta dos 5 anos, eu morei em uma casa de pau-a-pique na proximidade do rio Tietê, construída com madeira tirada da redondeza. As paredes eram “pintadas” com barro, em que o bicho barbeiro gosta muito de se alojar. Felizmente não fiquei doente com isso, mas peguei maleita e quase morri. Graças a Deus estou aqui: naquela época já tinha quinino e, quando tomei aquilo, sarei. Mas deve ter diminuído a minha expectativa de vida. Isso foi na década de 30.
A casa ficava em Birigüi, era muito interior e a gente recebia picada de vários mosquitos. Birigüi ficava num local chamado Brejo Alegre, que de alegre não tinha nada. Tinha bicho, cobra, mosquito... A gente ia pra roça e ficava todo cheio de picadas se não usasse lenço. Tinha berna e eles coçavam muito – era preciso colocar fumo de corda para espantar os bichos. Tinha esse tipo de sofrimento.
Mas eu não fiquei muito triste com a maleita. Como era interior, era necessário andar três quilômetros para achar um boteco para comprar cidra, soda limonada ou guaraná. Mas, quando eu ficava doente, meu pai ia até lá e trazia um, então eu até ficava contente! A maleita é uma doença transmitida por mosquito. Às quatro horas da tarde, a gente fica com febre e começa a tremer. Entra na cama, cobre-se com futon (cobertor), fica com uma garrafa de água quente e uma hora depois os sintomas somem, como se nada tivesse acontecido. Dia sim, dia não, vinha aquela febre de tremer, mas, felizmente, em nosso sítio não houve muitos óbitos provocados pela malária. Era um lugar com cerca de 30 a 40 famílias.
Eu tenho cinco irmãos, todos japoneses. Sou o único nissei. Os meus pais plantavam arroz e a gente ajudava carregando bento (marmita) para os camaradas. Eu, com 7, 8 anos, carregava as marmitas na beira do rio Tietê, onde os homens estavam derrubando a mata. Antigamente o desmatamento tinha que ser feito para a queimada; depois de alguns meses, plantava-se arroz. No terceiro ano o terreno ficava fraco, por isso no quarto ano era preciso partir para o cultivo de algodão, soja, milho.
Na redondeza só havia mato. Daí começaram a surgir seinenkai (associação de jovens), shonenkai (associação de meninos), escola. Comecei a aprender português na escola rural de Brejo Alegre, e passei a me sentir mais gente. Não sei o que eu ia ser, porque era amigo dos porquinhos, cuidava e dava farelo para eles. Assim foi a minha infância.
Na escola rural de Brejo Alegre, que a prefeitura de Colorado colocou, estudei até o 3º ano. Depois disso fui para Birigüi, uma cidade enorme para mim, e fiquei na casa de um senhor conhecido. Freqüentei o ginásio Noroeste de Birigüi, que hoje se chama Instituto Noroeste Birigüi. Estudei até o 4º ano do ginásio. Estudei quatro anos de latim, francês e inglês, terminei e voltei para o sítio. Já estava crescido e comecei a matar formigas e pragas que atacavam os pés de algodão. Quando chegava a época, colhíamos o algodão juntos. Todo mundo morava junto - todos com maleita, menos o meu pai.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil