Conte sua história › Mauro Kyotoku › Minha história
Meu pai, Aizo Kyotoku, chegou no Brasil em 1935, aos 14 anos de idade, e lembrava-se sempre dos seguinte versos de Cecília Meireles:
Deixai-me nascer de novo,
nunca mais em terra estranha,
mas no meio do meu povo,
com meu céu, minha montanha,
meu mar e minha família.
Veio com os pais (Takichi e Tsuya) e mais seis irmãos da cidade de Sapporo, província de Hokkaido, a ilha mais setentrional do arquipélago japonês. A primeira foto é da família, tomada antes da partida para Brasil. Sobre a preferência pelos versos da nossa poetisa maior, nunca tive oportunidade de dialogar com ele. Ao contrário de alguns amigos seus, não se naturalizou brasileiro e faleceu em 2005 como cidadão japonês. Pouco se identificava com os japoneses e seus descendentes no Brasil. Não freqüentava com a família as associações ou clubes da colônia japonesa e também não fui estimulado a fazê-lo. Não deve ter sido fácil para meu pai, numa época de globalização precária, não encontrar uma nação para se identificar.
Como já mencionei, meu pai acompanhou a sua família do Japão para o Brasil e, assim, parte da família Kyotoku está no Brasil há 73 anos. O nome da família Kyotoku é representado pelos Kanjis Kyo (京 – Capital) e Toku (徳 – virtude). Conta a tia Kiyoko, um dos aspectos interessantes desta virtude: no término da II guerra, a família Kyotoku conseguiu duas boas colheitas. Uma parte do dinheiro obtido foi enviada ao Japão para pagar dívidas deixadas em mercearias e lojas na cidade de Sapporo. Minha tia Kiyoko contou que houve uma discussão enorme no seio da família, mas impôs-se a palavra da minha avó, que na prática, era a chefe da família, pois meu avô havia morrido em 1936, um ano depois de chegar ao Brasil no município de Terra Roxa, interior de São Paulo, próximo a cidade de Ribeirão Preto.
A luta da família Kyotoku no interior de São Paulo, não foi diferente da maioria dos imigrantes japoneses que vieram para cá. Muito esforço, dedicação e persistência para superar a miséria que se encontravam no Japão e depois aqui.Não é necessário recontar esta história.Tornaram-se meeiros (trocavam trabalho por uma parte da produção obtida) após mudaram-se para o povoado Onda Verde, uma região próxima a São José do Rio Preto.
Um fato interessante deve ser mencionado, nem sempre conhecido pelas novas gerações: os isseis ao chegarem ao Brasil, quando era possível, logo estabeleciam escolas. Nesse povoado, meu pai participou de um mutirão para construir uma escola japonesa. A segunda foto é da festa de sua inauguração realizada, muito provavelmente, em 1937 (se houver alguém interessado posso enviar uma cópia de boa qualidade).
Participaria, logo em seguida, em 1940, da construção de uma outra escola, agora no município de Tanabi. A terceira foto, também, foi tirada na festa de entrega da escola. Observe todos vestidos solenemente de ternos, alguns de cor branca, já adaptados ao calor imenso do interior de São Paulo. Os japoneses orgulhavam-se destas escolas e eles comentavam que, enquanto os imigrantes europeus construíam igrejas em primeiro lugar, os japoneses construíam escolas. Meus tios e meu pai devem ter aprendido bastante, pois possuíam um nível cultural razoável, apesar de terem chegado jovens. Liam por exemplo Chūōkōron uma revista de nível sofisticado. Quem se interessar por detalhes desta revista, a wikipedia, em inglês, (http://en.wikipedia.org/wiki/Chuokoron-Shinsha), é uma boa fonte.
Outro fato interessante, é que algumas passaram a funcionar como escolas regulares, ensinando também português. Conta-se que um destes alunos foi o Prof. José Santana do Carmo, que aprendeu japonês muito bem e tornou-se professor de japonês na Aliança Cultural Brasil-Japão no Bairro da Liberdade. Foi com ele que fiz minha alfabetização tardia na língua japonesa, estudei Hiragana, Katakana e noções de Kanji. A sua pronúncia era estranha, mas a didática era boa. O Prof. Santana era afro-brasileiro e pode-se especular qual teria sido seu destino se os imigrantes japoneses não tivessem construídos escolas. Na segunda foto observa-se a presença de não japoneses. Só para esclarecer, o Prof. Santana não foi aluno da escola de Onda Verde, nem a de Tanabi, mas de uma genérica e eu não saberia dizer onde.
Estas escolas foram fechadas durante a ditadura Vargas com a participação do Brasil na II guerra mundial (1939-1945). O fechamento destas escolas foi um choque para a manutenção da identidade cultural pelos imigrantes, pois é partir da língua escrita o caminho fundamental para manutenção desta identidade. Estas escolas não foram reabertas após o fim da II guerra. Havia apenas alguns professores dedicados, os quais mantiveram vivos o ensino da língua japonesa, mas eram poucos e, nessa perspectiva, os imigrantes japoneses viraram zumbis culturais e isto talvez explique a paixão do meu pai pelos versos de Cecília Meireles.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil