Conte sua história › Márcio Keiti Hiramoto › Minha história
Durante o tempo em que fiquei no Japão, principalmente nos primeiros anos, uma pessoa foi muito importante para mim, pois me ajudou demais na minha adaptação ao país: meu primo Keiji.
Nossos parentes sempre moraram longe uns dos outros e não era com frequência que nos viámos. O Natal era uma das datas em que reuníamos os parentes que moravam mais próximos de Hortolândia, que eram os que viviam em São Paulo, capital.
Acredito que para eles era bem legal nos visitar na granja, pois tinham bastante espaço e muito silêncio, bem diferente de São Paulo. Andavam de bicicleta com tranquilidade, batiam uma bolinha no gramado e respiravam ar puro, sem poluição.
Para nós, ainda crianças, era legal a festa, com seus comes e bebes, e até as brincadeiras com nossos primos que, apesar da diferença de idade com a gente(já adolescentes e alguns adultos), também se divertiam.
Nessas reuniões de família, um detalhe engraçado que não esqueço: quando minhas tias ou a minha mãe chamava um de nós, vinham três respondendo "hai". Explico: tenho dois primos com nomes parecidos com o meu, Keiti, e que são xarás, Keiji Hiramoto e Keiji Takeda, daí a "confusão"...rs
Os dois são meus grandes parâmetros de vida. Quando garoto admirava muito a educação, a inteligência e o temperamento do segundo. Nas visitas sempre vinha conversar comigo e falar de novidades, me ensinava coisas, enfim, eram um exemplo que queria seguir.
Mas o primeiro, que não via com tanta frequência,o cara legal, super-brincalhão e bonzinho, e que me chamava de "xará", é a pessoa em questão desta história.
Segundo filho do irmão mais velho de meu pai, era um cara que sempre trabalhou muito, mas que também não deixava de curtir a vida, quando podia. A família dele era grande, tenho primos que nem conheço, pois quando nos visitavam, não vinham todos. O Keiji vinha sempre e contava algumas histórias sobre o trabalho e as viagens. Sempre trabalhava muito, o dinheiro era curto, mas tinha amigos com boa condição que o levava para passear.
De nossa família Hiramoto, eles foram os primeiros a irem para o Japão, creio que em 1988. Em 1990, de volta para o Brasil, contavam o que encontraram por lá.
Muitos de meus amigos de Granja Ito já estavam embarcando para o outro lado do mundo nesse mesmo ano. Eu ficava pensando nisso, mas não tinha coragem de ir para lá, pelo menos sozinho, pois sempre ignorei a cultura japonesa e achava que tinha ir melhor preparado.
Mas um convite do Keiji para irmos juntos me motivou a sair da Granja Ito, da qual já era funcionário faziam 5 anos. Afinal, meu primo era fluente na língua japonesa e já conhecia o país, o que me deu muita confiança.
Em março de 91 embarcamos com destino à Narita. Íamos trabalhar na província de Saitama. Chegando lá, muita contradição ao que teria sido combinado no Brasil. Mas em resumo: os 3 primeiros meses foram de indefinição sobre local de trabalho, salários e pagamento da passagem. Não fosse o meu tio e o meu primo, a coisa teria sido pior, felizmente conseguimos resolver.
Trabalhamos juntos na Canon de Mitsukaido, província de Ibaraki, durante dois anos. Fiz muitas amizades, conheci vários lugares e aprendi muita coisa, principalmente da cultura local, mas o grande responsável direta e indiretamente foi mesmo o meu primo Keiji. Não fosse o esforço dele, principalmente nos momentos mais difíceis, as dificuldades poderiam ter sido bem maiores. Na época eu não era tão maduro quanto imaginava e fui muito dependente dele em várias ocasiões. Muitas vezes ele era até "Paizão" demais, chegávamos até a discutir por isso.
Fui transferido para outra unidade da Canon em 93 e meu primo tinha voltado para o Brasil. Na volta ele preferiu ficar na mesma filial, que não era longe da minha, em Ishige. Já bem adaptado, não tive problemas com a "separação". Nos reencontrávamos quando eu ia visitar a minha namorada que trabalhava com ele em Mitsukaido ou quando tinha jogo "Mitsukaido versus Ishige", cuja minha disputa pessoal era, como atacante, fazer um gol nele, que era goleiro.
Com o passar dos anos e o vai-e-vem Japão-Brasil-Japão, fora as mudanças de emprego e cidade, ficamos distantes e tínhamos muito pouco contato. Um dos últimos encontros foi quando eu, já há 3 anos no Brasil, em 1999, me preparava para voltar para o Japão. Ele já casado e com um filho, veio com a esposa fazer uma visita. Conversamos bastante e no final ele acabou comprando um PC que eu tinha e que me ajudou nas despesas para a viagem. Até a viagem, ele fez outras visitas. Em 2001, por problemas de saúde, ele acabou falecendo. Até hoje, em certos momentos, não consigo acreditar na morte dele.
Ele, que me chamava carinhosamente de "Ô,Primo" no Japão, foi quase como um pai comigo. Cuidou de mim e me defendia dos outros sempre. Na primeira apresentação na empresa, os funcionários novos tinham que falar ao menos algumas palavras na frente de todos os outros. Foi o Keiji que me ensinou o que dizer: "Yoroshiku onegaishimasu" (tentando traduzir, "conto com a ajuda de todos, por favor"). Foi dureza conseguir aprender essas duas palavras, e ainda consegui errar na hora...rs
O Keiji foi uma das pessoas mais importantes na minha formação e essa história foi uma maneira de retribuir um pouco de tudo de bom que ele me passou.
Primo, "hontoni, domo arigatou gozaimasu. Itsumo Anata wa boku no kokoro ni iru kara". Descanse em paz, meu primo, meu irmão.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil