Conte sua história › Naomi Munakata › Minha história
Por volta de 1984, eu ganhei uma bolsa para ir ao Japão, para estudar regência na Universidade de Tóquio. Eu odiei! Apesar de ser japonesa, eu não gosto da sociedade japonesa. Lá, eu sou mulher. E mulher no Japão não tem o mesmo valor que o homem. Eu nunca tive esse negócio de servir ao homem. Meu professor na universidade era muito tradicional e ainda falava mal de mulher! Além do que, com aquele cara, eu percebi que não ia aprender muita coisa. Eu teria bolsa para até dois anos, mas voltei depois de oito meses. Foi o bastante para dizer: lá eu não moro de jeito nenhum!
Nós somos em quatro irmãos. E o mais engraçado é que os dois que nasceram no Japão hoje moram no Brasil, e os dois que nasceram no Brasil hoje moram no Japão. Meu irmão mais velho, nascido em Matsusaki, atualmente dá aula na PUC [Pontifícia Universidade Católica], na área de educação. Já o mais novo, que nasceu em São Paulo, sempre gostou de jogar bola. Foi fazer faculdade de educação física em Tóquio e acabou sendo contratado por uma escola, onde ele também é técnico de futebol. Ele vem todo ano para o Brasil, buscar molequinhos de 14, 15 anos para estudar no Japão e jogar bola lá. Há 20 anos que ele faz esse trabalho.
Esse meu irmão sentiu muito preconceito lá no Japão. Primeiro porque, como ele foi depois dos 18 anos, não conseguiu se naturalizar. Meu pai não registrou o nome dele no consulado porque nunca pensou que fosse voltar para o Japão. Meu irmão, lá, não tem o registro familiar. O sobrenome Munakata até tem ideograma registrado, mas a burocracia japonesa não permitiu que meu irmão usasse o ideograma familiar. As filhas também não podem usar. Isso é um absurdo, né?
Já a minha irmã caçula, que também nasceu no Brasil, foi embora com a minha mãe ainda pequena. E ela sempre gostou mais da língua japonesa, sempre leu mais livros em japonês. Ela voltou para o Brasil pela primeira vez só depois de 28 anos, e porque perdeu o emprego! Antes, ela nunca tinha conseguido sair. As pessoas não tiram férias lá. Você tem o direito, mas a concorrência é tão grande que ninguém sai. Aí minha irmã ficou uns 15 dias aqui, conseguiu outro emprego no Japão e voltou. Disse que vai levar mais uns 30 anos para voltar ao Brasil. Ela é formada em assistência social, mas trabalha como designer gráfica em Tóquio.
Meus pais hoje moram em Hiroshima. Minha mãe é muito doente, mas não tem como pagar uma enfermeira. No Japão, isso é impossível. É caríssimo. Meu pai é quem carrega minha mãe pra lá e pra cá. Como a minha mãe é inválida, o governo paga uma espécie de ajudante. Mas, quando eles souberam que meu pai ainda tinha forças para carregar a minha mãe, eles tiraram 30 minutos do ajudante. Meu pai tem 84 anos!
Depoimento ao jornalista Xavier Bartaburu
Fotos: Carlos Villalba e arquivo pessoal de Naomi Munakata
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil