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Como meu pai era regente, em casa sempre tinha muita música. Ele fazia muitos ensaios ali. Em geral cantava-se música internacional, mas em japonês. Canções folclóricas da Alemanha, por exemplo, mas com a letra em japonês. No Japão se usa muito isso, por causa da dificuldade deles em pronunciar outras línguas. Música tradicional japonesa nunca tinha, porque meu pai sempre foi mais para o lado ocidental. Ele gostava muito de ópera.
A sobremesa do meu pai era cantar. Depois do jantar, um ia lavar a louça, outro ia para o piano acompanhar o meu pai. Por isso uma coisa que meu pai exigia era que todo o mundo em casa estudasse piano. Ele precisava de alguém para acompanhar. Claro que lavar a louça era mais rápido, mas eu acabei curtindo isso de tocar. Tocava na igreja também, acompanhando o coro que ele regia na igreja. Pra mim isso nunca foi uma obrigação. Sempre gostei.
Eu não pude entrar oficialmente no coro do meu pai até os 16 anos, embora eu já convivesse com as pessoas que cantavam lá. Com a mesma idade, eu também fui autorizada a sair de noite para cantar em corais brasileiros. Cantava toda noite. Meu pai às vezes ia junto. Como eu já sabia ler partitura e tocar piano, logo me deram um cargo de monitora ou de “ensaiadora” nesses coros. Desde cedo já comecei a reger.
Eu sempre gostei de trabalhar com a mão. No início eu queria estudar fisioterapia, mas acabei me decidindo mesmo pela regência. A única coisa que meu pai sugeriu é que eu estudasse um instrumento de orquestra. Aí eu fui obrigada a estudar violino. Eu odiava! Eu queria era tocar violoncelo, mas meu pai disse que era um instrumento muito caro. Aí, ele comprou o violino. E eu fiquei sete anos tocando violino na Orquestra Jovem Municipal.
Estudei regência no Instituto Musical de São Paulo, que não existe mais. Ficava na Liberdade, perto da Baixada do Glicério. Na verdade, eu fui atrás de um professor, que era o Roberto Schnorrenberg. A faculdade em si era muito oba-oba, as pessoas entravam sem nem saber tocar direito. Minha sorte foi que o Schnorrenberg gostava muito de mim e me adotou. Senão, eu teria largado no primeiro ano.
A verdade é que a minha profissão não é nada nipônica. Pelo contrário: regente mulher de um coro profissional é uma coisa muito recente mundialmente. No Japão é pior. Mulher, lá, só é regente de escola e professora. E nem tem tantos corais profissionais. O que tem é muito coro feminino. Eles chamam de “coro de mamães”, porque agregam as donas-de-casa que não têm o que fazer. Meu pai chegou a ter um coro desses aqui no Brasil. O Japão mandava muitos empresários pra cá e as “mamães” ficavam sobrando.
As pessoas dizem que eu sou regente porque eu gosto de mandar. Não é verdade. É porque eu gosto de mexer com a mão. A minha diversão é moldar a música com a mão. Teve uma pessoa que eu encontrei uma vez que era espírita, e me disse que eu fazia “cura com as mãos”. E, de fato, eu lembro que, quando eu fazia coro amador, eu via que as pessoas vinham tensas e saíam aliviadas. Eu mesma, com labirintite, consigo reger 40 minutos de pé sem ter nada. É uma magia, sabe?
Depoimento ao jornalista Xavier Bartaburu
Fotos: Carlos Villalba e arquivo pessoal de Naomi Munakata
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil