Conte sua história › Naomi Munakata › Minha história
Quando chegamos ao Brasil, em 1957, fomos morar na Vila Mariana, lá perto da Praça da Árvore, numa rua chamada Gravi, em São Paulo. Nossa casa era na frente e o salão de trás era usado como igreja. O meu pai era o pastor e a minha mãe dava aula de educação infantil lá. Morávamos do lado de uma ladeira de paralelepípedos, que a gente descia de carrinho de rolemã o tempo todo. Eu era muito moleque. A gente fazia pipa também. Vendia na feira, ganhava uns trocadinhos e ia comprar bala. Era um mundo bem diferente de agora. A gente brincava na rua mesmo, meu pai sempre deixou as crianças bem livres. Acho que aprendi português brincando na rua.
A gente tinha a educação em língua japonesa e também ia à escola brasileira. A escola japonesa era muito severa, bem nipônica. Já a brasileira era mantida por uma igreja metodista. Chamava-se Escola Americana de Mirandópolis, e era ligada à comunidade evangélica. Não tinha muito japonês lá. E meus amigos eram mais dessa escola. Então, eu nunca tive muitos amigos japoneses.
Dentro de casa, porém, nós éramos japoneses. Chegou em casa, não podia falar português. Acho que era porque meus pais não entendiam a língua. O engraçado é que, entre os irmãos, nós só falamos português. Isso acontece até hoje. Não conseguimos falar em japonês, a não ser com a minha irmã caçula, que é temporã e foi morar no Japão desde pequena. Meu irmão mais velho, inclusive, já quase nem fala japonês. Ele lê muito bem e entende muita coisa, mas não consegue falar. Eu já falo melhor, porque vou todo ano pra lá visitar meus pais.
Por outro lado, meu pai não obrigava nenhum dos filhos a freqüentar o culto. Nós nem fomos batizados. Ele dizia que todo o mundo podia ser batizado depois dos 18, se quisesse. Meu pai nos deu uma educação muito livre. Nem na escolha da profissão ele interferiu. Cada um escolheu a carreira que quis. Meu pai sempre foi daqueles que não se preocupam com o que vai acontecer. Tem mais espírito de aventura. Até hoje, com 84 anos, ele acha que em tudo se dá um jeito.
A verdade é que meu pai incomodava muito os japoneses daqui. O tipo de sermão que ele dava não agradava muito as pessoas da colônia. Para ele, o sermão não é só para pregar a palavra de Deus, mas também para falar de sociologia. E os japoneses da comunidade eram do famoso kachigumi, que acreditavam que o Japão tinha ganhado a guerra. No fim, meu pai acabou saindo da igreja. Meu irmão diz que ele praticamente foi expulso. Aí ele foi construir outra igreja no bairro da Liberdade, e nós fomos com ele. Isso foi na década de 60.
Meu pai sempre gostou daqui. Para minha mãe, eu acho que a experiência foi mais traumática. Embora vivesse no Brasil, na vida dela tudo era em japonês. Tinha a igreja, a escola, todos eram japoneses ou descendentes. E a minha mãe nunca gostou disso, de ficar presa a uma comunidade. Ela gosta de entender as coisas. Aí os filhos foram crescendo, foram saindo. E ela decidiu voltar para o Japão. Em 1979, ela pegou a minha irmã caçula e foi embora. Quando meu pai viu que ela não voltaria mesmo para o Brasil, ele foi também. Eu acho que ele gostaria de ter ficado no Brasil. Acho até que ele ainda sonha um dia em voltar pra cá.
Depoimento ao jornalista Xavier Bartaburu
Fotos: Carlos Villalba e arquivo pessoal de Naomi Munakata
As opiniões emitidas nesta página são de responsabilidade do participante e não refletem necessariamente a opinião da Editora Abril
Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil