Conte sua história › Emilie Sugai › Minha história
Fui fazer administração na FEA/USP (Faculdade de Economia e Administração) e naquela época eu já dançava jazz, moderno e balé clássico. Estudar a cultura japonesa não era um objetivo para mim. Aquilo fazia parte da minha história familiar, mas era apenas um rastro na minha vida. Só que na seqüência eu conheci uma chinesa que dava aula de tai chi chuan. Ela foi uma das pessoas que trouxe um pouco da cultura oriental para a minha vida. Com ela montamos uma lenda chinesa. Em 1991, encontrei o diretor de teatro e dança Takao Kusuno e sua mulher, Felicia Ogawa. Ele era japonês radicado no Brasil desde 1977 e ela, nissei. Takao foi o precursor da dança butô no país.
A partir do encontro com esse casal, conheci uma outra forma de trabalhar a dança. Apesar de ter suas origens na tradição japonesa, eles traziam uma expressão muito contemporânea para época, que fazia parte de um movimento do pós-guerra que uniu artistas plásticos, dançarinos, fotógrafos. Ele tinha um olhar especial para o corpo do japonês, então ele me trouxe vários conceitos do Japão, me incentivou a buscar minhas origens orientais. Aí que fui percebendo o valor disso tudo. Então fiz um trabalho, em 2002, o Tabi, que significa viagem, uma jornada em busca das minhas origens. Ele foi executado antes de eu realmente conhecer o Japão. É uma idéia minha, criativa e artística, da minha experiência de ter o corpo e o sangue japonês, mas ser brasileira. O espetáculo foi realizado no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, durante o evento Dança em Pauta.
Eu achava que minha primeira viagem ao exterior seria para o Japão, mas ganhei uma bolsa da Unesco para fazer um trabalho no Senegal, na África. Foi um choque cultural muito grande. Meu olhar estava voltado para o oriente, para o Japão, e, de repente eu me vejo na África, que faz parte das origens brasileiras. Isso deu uma chacoalhada na minha vida. Lá eu trabalhei com os senegaleses. Voltando para cá realizei um trabalho solo, o Totem, traduzindo essa experiência. Nesse estudo fiz uma ponte entre o trabalho japonês e o africano. Ambos usam as máscaras, mas de formas diferentes.
Outra questão que me chamou a atenção e abordei no espetáculo foi a utilização das bacias de alumínio, que os orientais usavam para tomar banho e os africanos, para fazer e colocar comida. As comidas são compartilhadas. No Senegal, todo mundo comia com a mão direita e cada um tinha o pedaço onde ia comer. Isso me lembra muito as comidas japonesas que nós fazemos ao redor da mesa, como o sukiyaki (ouça um trecho da trilha sonora do Totem).
Minha primeira viagem para o Japão, em outubro de 2003, foi bem importante, porque a Companhia Tamanduá de Dança Teatro foi levar trabalhos feitos pelo diretor Takao Kusuno, já falecido, com dançarinos brasileiros. Nós visitamos e dormimos no estúdio do Kazuo Ohno, mestre do butô. Em 2005 voltei para o Japão com um trabalho feito pelo Antunes Filho, chamado Foi Carmem Miranda, uma homenagem aos 99 anos do Kazuo Ohno. No mesmo ano voltei ao país com um grupo japonês para o qual fiz uma audição. Dessa vez senti mesmo na pele o que era viver no Japão no sistema japonês. Nossa agenda não tinha um momento de descanso porque tínhamos que terminar a obra em um tempo muito curto.
Tenho um sonho e um desafio que é reativar esse espaço da minha avó para desenvolver um trabalho artístico voltado para a sociedade e perpetuar as crenças da minha avó, de uma escola para crianças, só que agora de uma maneira mais ampla. E juntar isso a um sonho do meu mestre japonês, que era de ter um espaço dedicado à arte.
Depoimento à jornalista Juliana Almeida
Fotos: Everton Ballardin e arquivo pessoal de Emilie Sugai
Vídeos e áudios: Estilingue Filmes
As amizades na infância e na adolescência
Trilha sonora do espetáculo Totem
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil