Conte sua história › Cintya Satie Sugawara › Minha história
Minha ligação com a cultura e tradição japonesas são e sempre foram muito marcantes na minha vida. Sou yonsei. Meu avô materno, Sr. Shigueyoshi Misawa, nasceu em Tóquio, e minha avó materna, Sra Toki Misawa, em Hokkaido. Meu avô paterno, Sr. Oscar Sugawara, também é de Hokkaido, e minha avó paterna, Sra. Maria Victoria Sugawara, já é nascida aqui no Brasil.
O contato com a cultura japonesa se deu essencialmente pela convivência com meus avós. Meus avós maternos sempre moraram comigo e essa proximidade tem um significado muito importante, pois compartilharam de toda minha infância até a vida adulta. Meu avô era uma pessoa altamente sábia e muito de bem com a vida – estava sempre sorrindo. Brincava comigo, cedia sua escrivaninha para eu brincar de escritório, balançava a corda para eu pular, dirigia um corcel branco quando ia me buscar na escola ou me levava no Lago dos Patos, em Guarulhos. Era muito criativo, inventou um esquentador de pés para o frio, suporte para o seu gravador. Ouvia muito as palavras do Prof. Massaharu Taniguchi, da Seicho No Ie, e me dizia que eu poderia escutar mesmo dormindo, pois minha mente estaria captando as mensagens. Eu achava tudo isso muito mágico. Todos diziam que ele era uma pessoa de muita luz e que minha casa seria sempre iluminada por tê-lo conosco.
Minha avó ajudava com as tarefas domésticas em casa, até ela sofrer um Acidente Vascular Encefálico em 1990. Ficou com seqüelas e lembro-me que a auxiliava a fazer as tarefas do dia-a-dia: tomar banho, preparar o prato das refeições, cortar as unhas. E acho que essa vivência me fez decidir pela minha carreira de terapeuta ocupacional. Quando não conseguia dormir à noite, ela segurava em minhas mãos e dizia-me: “Fique repetindo Sou Filho de Deus perfeito, que o sono vem logo logo”.
Meus avós paternos também sempre foram próximos, éramos vizinhos na mesma rua. Meu avô era o chefe da família e de quem todos buscavam uma opinião e orientação para as coisas da vida. Minha avó mora sozinha na casa dela até hoje e é daquelas vovozonas, sempre preocupada com tudo e com todos. Faz o feijão mais gostoso deste planeta!
Quando bem pequena, eu só falava em japonês, bastante influenciada por essa proximidade com meus avós. Mas depois, quando entrei para a pré-escola, tive que aprender a língua portuguesa e hoje, numa conversa bem simples, até entendo algumas palavras dentro de um contexto, mas respondo em português.
O respeito às pessoas mais velhas e aos antepassados sempre foi bastante cultuado. Ao servir a refeição, primeiro colocávamos o gohan num “potinho” para o hotokesan. Os meus avós eram servidos em seguida. Hoje consigo perceber que as tradições também continham um certo machismo em suas atitudes, muito menos evidentes nas gerações atuais.
Na culinária, os pratos quentes são servidos freqüentemente: o tradicional gohan, missoshiru, batayaki, sukiyaki, guioza, harumaki, tempurá etc. Os sushis e sashimis são servidos em ocasiões mais especiais como festas e confraternizações. Atualmente, com a onda de uma alimentação mais saudável, acho ótimo que os brasileiros estejam freqüentando os restaurantes japoneses. Mas também acho importante que existam restaurantes mais tradicionais para preservar um paladar mais original
No período de escola, fui sempre comportada e estudiosa. Mas lembro-me de outras crianças que caçoavam dos meus olhos puxados. Hoje entendo que não era por maldade, mas na época não entendia e interrogava minha mãe, que sempre procurou ressaltar a trajetória dos meus avós e de mostrar-me o orgulho de pertencer a uma família japonesa.
Freqüentei o nihongako (escola japonesa) até aproximadamente os meus 10 anos, mas hoje teria valorizado muito mais essa época. Participava de undokai e missas em igrejas budistas e da Seicho No Ie.
Na minha opinião, uma das tradições mais bonitas é o oshogatsu. Minha mãe sempre faz moti para comermos no dia 1º de janeiro, e a confraternização em família é muito apreciada e valorizada por todos.
Durante a fase de escola e colégio, não tive muitos amigos nikkeis. Na verdade, com exceção da minha prima Sayuri, todos os meus melhores amigos são gaijins. E essa ligação com eles ocorreu muito naturalmente e nunca sofri nenhum tipo de constrangimento nem da minha família nem da deles.
Fui ao Japão quando era criança, acho que tinha uns 10 anos. Meu pai iria chegar uns dias depois, e achava engraçado quando minha mãe falava que, devido ao fuso horário, ele estaria acordando aqui no Brasil quando lá já era noite. Lembro-me de alguns terremotos que aconteceram por lá, mas que era freqüente, e todos já estavam acostumados a se protegerem debaixo das mesas e manterem as portas abertas, em caso de emergência. Tenho muita vontade de voltar para lá para passear. Minha mãe ainda tem parentes em Tóquio.
Tenho muito orgulho de ser brasileira e paulistana, mas me preocupo bastante com a qualidade de vida e o crescimento da violência, principalmente nas grandes cidades. Já pensei em morar fora do país, mas acho que a ligação com a família e os amigos é muito forte.
Hoje sou terapeuta ocupacional e gosto muito da minha profissão, pretendo ainda crescer bastante na minha carreira. Durante a semana, trabalho e estudo basicamente, mas estou organizando meu tempo para praticar algum esporte. Já tive uma banda, na qual eu cantava. Foi uma experiência muito legal e pretendo cultivar esse lado musical no futuro, mas só como lazer. Nas horas vagas, gosto de passear, ir ao cinema, apreciar diversas culinárias (adoro ir a restaurantes italianos, mexicanos, australianos e lanchonetes), ir ao estádio assistir os jogos do SPFC, viajar, ir a exposições, teatros.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil