Conte sua história › Tizuka Yamasaki › Minha história
Depois do primário, minha avó matriculou minha mãe na Escola de Corte e Costura Akama, na capital paulista, lugar de excelência para a comunidade japonesa preparar as moças casadoiras. As meninas iam lá, aprendiam costura e bordado, jogavam tênis, estudavam o japonês, praticavam poemas, tinham noções de etiqueta para não envergonhar as famílias mais abastadas da sociedade japonesa que começavam a sair da lavoura. Era uma escola de elite; as famílias trabalhavam muito para colocar uma filha ali.
No caso de minha mãe, que era adolescente quando se matriculou no Akama, foi a Guerra o principal motivo de sua ida. Vendo que muitos rapazes lá de Mairiporã (SP), onde eles moravam se achavam no direito de invadir e fazer o que quiser nas chácaras dos japoneses "inimigos" , minha avó teve medo e quis resguardar a filha de uma possível violação de qualquer tipo.
Durante esse tempo, quando os japoneses estavam ameaçados de perder suas propriedades por conta de um decreto do Getúlio, minha mãe – a única da equipe dos professores nascida no Brasil – recebeu a incumbência da diretora Akama-san de assumir a direção da instituição. Não fosse o arranjo matrimonial, ela continuaria na capital, e nossa história seria oura (rs)!
Depois de viúva, minha mãe abriu uma escola de costura em Atibaia. Não tinha a mesma sofisticação do Akama, mas, nos anos 50 - sendo a costura ainda bastante privilegiada porque não existia roupa industrializada para comprar como hoje – a Escola São João fez sucesso como fonte de renda e de status para Sumiko Yamasaki. Anualmente, ela produzia desfiles de moda, empenhava-se para oferecer outros cursos paralelamente ao de corte e costura, como pintura a óleo, dança de salão, bordados etc. Por isso, minha mãe era conhecida como a "sensei" (mestre) e era respeitada na sociedade brasileira de Atibaia.
Muitas meninas vinham do Paraná e do interior de São Paulo para estudar com ela. Normalmente, elas não tinham onde morar e, assim, minha mãe ampliou a escola oferecendo uma espécie de internato. Virou, então, um pensionato-escola. Foi um período muito interessante, nossa casa sempre cheia de gente, principalmente de moças. Depois, ela abrigou estudantes dos dois sexos, que não queriam costurar, mas precisavam de um pouso seguro para estudar.
As famílias japonesas daquela época eram mais fechadas, conseqüência de uma educação pautada na máxima que "não se deve incomodar os outros" e nem externar seus sentimentos. Não havia muito espaço para conversar em casa com a mãe e muito menos com o pai. Assim, minha mãe virou confidente de suas alunas, a grande mãe da cidade, que ouvia as moças falando sobre seus problemas pessoais. Até hoje, aparecem de vez em quando ex-alunas com filhos ou netos para minha mãe conhecer.
Nossa infância foi toda em Atibaia. Tínhamos o privilégio de sermos filhas da sensei, a mestra da cidade. Nesse período, nos anos 50, a gente fazia escola pública. Estudamos no Grupo Escolar Major Juvenal Alvim, depois no Colégio Estadual Escola Normal Major Juvenal Alvim. Fazíamos balé, estudávamos piano, francês, pintura, tudo que uma garota interiorana tinha direito a fazer. Minha mãe se importava muito com a nossa educação. Ela me mandou fazer "odori" (balé japonês), preocupada com minha falta de postura mais feminina, pois eu costumava pegar umas réguas de 100 centímetros de costura e distribuía entre os meninos pra gente brincar de espada. Mas foi em vão. Pra vencer os caminhos que se abriam naquela época, eu precisava de uma atitude forte para desbravar e vencer um mundo dominado pelos homens. O mundo mudou e eu não consegui conquistar a feminilidade!
Depoimento à jornalista Renata Costa
Fotos: Everton Ballardin e arquivo pessoal de Tizuka Yamasaki
Vídeos e áudios: Estilingue Filmes
Tizuka fala sobre os hábitos alimentares de sua família. Na mesa não faltam arroz branco e yasai
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil