Conte sua história › Tizuka Yamasaki › Minha história
Quando eu era criança, via meus colegas fazerem a primeira comunhão e também quis fazer. Fiz catecismo, freqüentei as missas e, mais tarde, acabei levando minha mãe para a igreja católica! Ela ficou bastante dedicada à igreja enquanto eu a abandonava nos anos 60, atraída pelas idéias comunistas/materialistas da época. Hoje, mais amadurecida e espiritualizada, para mim, todos os deuses são válidos. Meu projeto cinematográfico atual é sobre uma personagem, a Pajé Zeneida Lima, detentora dos conhecimentos do mundo místico dos Caruanas do Marajó.
Na minha adolescência, nos anos 60, freqüentei a comunidade nikkei de Atibaia, que tinha uma organização muito clara. Havia o Clube dos Homens, o Clube das Senhoras e o Clube dos Jovens. Cada setor tinha obrigações a cumprir, coerentes com os eventos próprios para cada idade e sexo. Na sociedade dos "gaijins", em dia de baile, as meninas passavam a semana toda se preparando, experimentando roupa na costureira, comprando sapato novo, sacrificando-se no salão de beleza. Imagina que horror usar sapato novo de salto no baile. Mas a vaidade era maior que a dor. E ficávamos nos exibindo para os meninos, indo ao banheiro com a desculpa de retocar a maquiagem só pra chamar a atenção e sermos convidadas para dançar. Quando aqueles em que estávamos interessadas não vinham, desprezávamos os que atravessavam o salão cheios de coragem para nos tirar para dançar. Era uma época que o encabulamento nos fazia sentir abandonados, as meninas e os meninos. Ainda bem que os tempos mudaram com a conquista da liberdade feminina e, hoje, funciona para todos os sexos a prerrogativa da iniciativa.
Freqüentávamos também os casamentos e o matsuri, festa de agradecimento aos deuses pela colheita. No Japão, ela é comemorada no verão, entre julho e agosto, e aqui mantiveram a data. Tem ainda o undokai, que as crianças adoram, uma espécie de gincana, em que os prêmios sempre eram objetos úteis: cadernos, estojos e lápis para os derrotados. Tem o nodojiman, uma espécie de concurso para calouros, em que as pessoas cantam e ganham prêmios.
Os mais velhos da comunidade se sentiam responsáveis por mim, por eu ser órfã de pai e meu avô ter morrido quando eu era muito nova. Diziam assim: "Tizuka, não estude muito. Se você estudar muito, não vai conseguir marido." Se eu tivesse seguido esse conselho e ficado em Atibaia, provavelmente teria me casado com um rico fazendeiro plantador de morango e, de repente, poderia estar até melhor do que estou como cineasta (rs).
Minha mãe foi fundamental para nos encorajar a estudar fora. Não queria que ficássemos reduzidas a uma vida simplória numa cidade do interior. Ela queria que estudássemos, fizéssemos a universidade que ela tanto quis e, pelas circunstancias daquela vida, não pôde realizar. Talvez estivesse dando razão ao meu pai sonhador – criticado na época - que queria conquistar o mundo. Aos 15 anos, fui estudar o científico no colégio Roosevelt, na capital paulista. A Yurika foi depois. Na mesma época, eu estudei no IAD, o Instituto de Arte e Decoração, uma escola muito moderna, referência para quem queria se dedicar á programação visual e desenho industrial. Ali conheci e trabalhei com grandes nomes da arquitetura e das artes plásticas. Comecei a trabalhar como desenhista e o desejo de fazer arquitetura se fortalecia. Nessa época, em São Paulo, fiz parte de uma turma de estudantes nikkeys (alguns são meus amigos até hoje) e juro que me esforcei para me comportar como uma tradicional descendente, tentando ser aplicada nos estudos, ser mais discreta, mais feminina – enfim, ter o formato que qualquer mãe nikkey se orgulharia.
Prestei o exame na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) e tomei bomba. Fiquei furiosa porque fui mal em física e matemática, mas tirei 10 nas provas de criação e desenho. Atraída pelo ICA (Instituto Central de Artes) da UNB, em Brasília, escola moderna implantada por Darcy Ribeiro, embarquei para prestar o vestibular. Eu me lembro que minha mãe, assustada com a minha decisão, perguntou: “Pensou duas vezes?” Confirmei que sim. Na verdade, não pensei: fui no impulso. Talvez, empurrada pela necessidade de me afastar da pressão que eu achava que sofria da comunidade japonesa que freqüentava. Então, fui estudar arquitetura em Brasília. No primeiro semestre, fiz uma oficina básica de cinema. Foi aí que eu comecei a me interessar por esse assunto. O rascunho de cinema que eu tive contato na UNB me cativou, apareceu anunciando uma profissão estranha e atraente. Mais uma vez não pensei, e fui fazendo.
Depoimento à jornalista Renata Costa
Fotos: Everton Ballardin e arquivo pessoal de Tizuka Yamasaki
Vídeos e áudios: Estilingue Filmes
Tizuka fala sobre os hábitos alimentares de sua família. Na mesa não faltam arroz branco e yasai
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil