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MINHA HISTÓRIA
CHUNDI KAWANAMI
ASCENDÊNCIA: - Kawanami & Nakamura
.9 filhos, (7 homens e 2 mulheres) sendo 1 homem (in memória);
.17 netos, (13 mulheres e 4 homens).
Pai – Kazutoshi Kawanami - Nascido aos 30 de janeiro de 1915 ,Natural de Keisen Machi – Fukuoka-Ken – Japão – Imigrou para o Brasil em Setembro de 1926, com 11 anos de idade.
Avô paterno – Hanjuro Kawanami
Avó paterno – Naka Kawanami
Saída do Porto de Kobe – Navio Montevideo-Maru. – A família era composta pelos meus avô, avó, meu pai e tios:Hanako, Shiguetsugo,Sadatoshi, Hakuo, Tikako e Motoaki. Tendo ficado no japão, a tia mais velha (Hanako) com 19 anos, que era casada e o caçulo da família (Motoaki)com apenas um ano de idade que ficou sob os cuidados de um parente. Aos 16 anos viera a falecer, devido a um problema de apendicite aguda. Meu avô decidiu não trazer o caçulo, como forma de garantir a descendência da família, caso acontecesse um naufrágio durante a viagem.
No Japão, meu avô paterno não tinha uma ocupação fixa, vivia de pequeno comércio e prestação de serviços a comunidade.
Chegada ao Brasil - Porto de Santos em 15 de outubro de 1926 – Pernoitou na Casa dos Imigrantes no Bairro do Brás em São Paulo, seguindo para Bauru e fixando-se na região de Birigui, Comarca de Bilac, Distrito de Barreiros, na condição de colonos agrícolas, na fazenda de café.Na localidade próximo da Vila de Clementina –distrito de Coroados – Município de Birigui, adquiriu uma gleba junto a Colônia denominada “Sanku shokuminti”, formada pelas famílias Furukawa e outros.
Bem distante das colônias, praticamente isolada, a família Kawanami iniciou o cultivo da terra com a derrubada de mata virgem, plantando algodão e amendoim como principal produto, consorciado com algumas cabeças de gado bovino (produção de leite) aproximadamente 70 cabeças; o suíno era para fornecimento de carne e banha para a própria subsistência e o eqüino, para transporte e aragem de terra. O milho, a verdura, os legumes, as frutas, a cana de açúcar, bambu jardim e a criação de aves, basicamente eram para a própria subsistência, pois era grande o número de componentes da família e de empregados.
Com o término da segunda grande Guerra Mundial, a rendição do Japão e o falecimento do patriarca Kawanami, houve a desintegração da família e consequentemente o sítio também foi desfeito. Os membros da família também tomaram rumos diferentes.
Fato curioso! Os empregados que na sua grande maioria, eram oriundos dos estados da Bahia e Minas Gerais, compostos de brancos e negros, não eram discriminados. Embora cada um tivesse o seu próprio aposento e o banho separado. Nós tomávamos banho de água quente, fazendo frio ou calor, no “ofurô” e os empregados na bacia ou no rio existente, próximo a casa. Na hora das refeições, todos, sentavam a beira de uma enorme mesa de madeira maciça, inclusive as crianças. Nas duas extremidades, ficavam de um lado, a minha avó (próximo a entrada para a cozinha) e do outro o meu avô (próximo a entrada principal da sala), meus tios e meus pais do outro lado.
Mãe – Hama Nakamura Kawanami – Nascida aos 13 de julho de 1922, natural de Higashi- mura, Yama-gun, Asa Jumonji, Yamagata-Ken –Japão
-Imigrou para o Brasil em 1929 com 7 anos de idade.
Avô materno – Suezo Nakamura
Avó materno - Iso Nakamura
Saída do Porto de Kobe em Setembro de 1929 . Navio Hawai-Maru.A família era composta pelos:- meu avô, minha avó, minha mãe e tios : Sueji, com a idade de 16 anos e Yoshiiti com 13 anos. Como nenhum dos tios tinha a maioridade completa, integraram à família (Koosei Kazoku) primo da mamãe, Saburo Takahashi.
Meu avô materno foi integrante da Marinha Imperial Japonesa e participou da guerra da Manchúria. Sua família é oriunda de antigos artesãos ceramistas.
Chegada ao Porto de Santos em 22 de outubro do mesmo ano – Pernoitou na Casa do Imigrante no Bairro do Brás, São Paulo.
Sua família e o grupo de conterrâneos seguiram para a região de Penápolis, fixando residência na Fazenda Waldemarin, na condição de colonos.
Com o passar dos tempos, adquiriu uma gleba de mata virgem e iniciaram a derrubada. Devido ao parco recurso financeiro e inexistir ferramentas adequadas, para a confecção de tábuas e vigas, enfrentaram sérias dificuldades para a construção das primeiras moradias. Foram utilizados, troncos de coqueiro partido ao meio e enchidos com barro, para levantar as paredes. Os troncos roliços de árvore serviram como vigas.
Inicialmente, introduziram o cultivo do café, como principal produto. Experimentaram outras atividades, como o cultivo do amendoim, batata, “rami” e a criação de aves poedeiras, porém, não obteve bons resultados. O cultivo de milho, soja, feijão, verduras, legumes, frutas e a criação de bovinos e suínos eram para a própria subsistência. Havia também a criação de algumas cabeças de eqüinos que serviam para o transporte e preparo de terras para o plantio.
Em conjunto com outras famílias, organizaram uma das maiores colônias japonesa da região, a “Komei shokuminti”. Era formada pelas famílias:Nakamura, SataKe, Hara, Matsuo, Yoshitaque, Shimomura, Sakamiti, Ussami, Nakanishi, Arakawa, Kawamoto, Oe, Akahoshi, Kondo, Yamashita, Sato e outros.
LONGA E INTERMINÁVEL VIAGEM À TERRA PROMETIDA
A lembrança da sofrida e interminável viagem era sempre contada pelo meu pai e minha mãe. Para eles, que eram crianças, não foram tão terríveis, pois, tudo era novidade e divertido. Havia muita diversão, como “undokai”, (competição poli-esportiva), “shibai”(teatro) e “sumô”. Porém, quem mais sofreu foi o pessoal adulto, devido a nostalgia e a saudade da terra natal e dos parentes deixados que ficavam cada vez mais distante. A expectativa da chegada ao destino, o racionamento de alimentos básicos, enjôos provocado pelo balanço do navio, eram pesadelos intermináveis.
O navio que papai viera, Montevidéo-Maru, era novo e a viagem não foi tão demorada, levou aproximadamente 42 dias para chegar ao Brasil. Em contrapartida, o Hawai-Maru que trouxe a minha mãe, era um navio sucateado e estava fazendo a sua última viagem, transportando passageiros. Levou aproximadamente 62 dias, em condições precárias.
Uma das lembranças que papai sempre recordava, era das brincadeiras nos convés e os acontecimentos inusitados e cômicos que via, quando o navio atracava nos portos, para abastecimento de água, remédio e suprimento alimentar. Não era permitido às crianças desembarcarem, nos portos de passagem.
Recorda mamãe, que no Porto de Singapura, era divertido jogar moedas na água e ver as pessoas lançarem nas águas para apanhá-las, antes que afundassem.
A vovó materna, quando chegou ao Porto de Santos estava desnutrida e magérrima, devido ao enjôo e por não ter conseguido alimentar-se direito, durante toda a viagem.
A DIFÍCIL ADAPTAÇÃO CLIMÁTICA E ALIMENTAR
A adaptação a alimentos, inicialmente, foi muito difícil, devido a condição climática e a base alimentar constituída de carne, leite e seus derivados. O arroz e outras misturas, servido inicialmente aos imigrantes recém chegados, era preparado à base de banha suína. O arroz era passado na água, para retirar a gordura. O bacalhau e a sardinha salgada eram os principais ingredientes da mistura para o preparo da comida, aceitável ao paladar dos imigrantes japoneses. Para amenizar, foram incluindo no preparo de seus alimentos, brotos de bambu e samambaia, existentes na mata nativa.Com o passar dos tempos, conseguiram produzir seus próprios alimentos, com a aquisição de sementes e plantando, cereais, verduras, legumes e frutas. Inicia assim, o preparo próprio de vários tipos de alimentos.
Muitos alimentos, como: o “shoyu”(molho); “missô”(pasta de soja); “tofu” (queijo de soja)“; “tsukemono”(conserva de legumes e verduras); lingüiça; doces e geléia de frutas; polvilhos; “camaboco” (presunto de peixe); “moti”(bolinho de arroz); “manju” (bolinho de feijão); “Yokan” (doce de feijão); mandiopan; pão; pé-de-moleque; pamonha; cural; biscoitos; “udon” macarrão japonês; aguardente de cana; eram produzidos no próprio sítio.
A água era outro problema muito sério, causava sérios problemas de desarranjo intestinal. Era necessário, antes de ser consumida, ser ferventada.
Conforme relata mamãe, uma das grandes salvações, no preparo, como no cuidado com a alimentação, deveu-se a experiência do nosso avô, que foi marinheiro.
BANZAI, BANZAI, BANZAI...!
Dezenove de janeiro de um mil novecentos quarenta e cinco, auge da segunda grande guerra mundial, vim ao mundo, de nascimento prematuro. Foram oito meses de gestação complicada, devido ao trabalho penoso da roça, aliado aos afazeres domésticos a que minha mãe era submetida, por falta de mão-de-obra. O parto foi na própria residência, num sítio, próximo ao pequeno povoado de Clementina, Distrito de Coroados, Município de Birigui, Estado de São Paulo.
Meus pais casaram no Brasil, através do “miyai kekon”. Meu pai vindo de Fukuoka e a minha mãe de Yamagata, dois estados do extremo Sul e Norte do arquipélago japonês.
Possuo dupla nacionalidade e fui educado no rígido sistema de disciplina e respeito à hierarquia familiar, até aos oito anos, no convívio com primos.
Primeiro luto em família, para mim também. A despedida de todos, dando na sua boca, suco de maçã, inclusive nós crianças, na cabeceira de cama do meu avô, presenciamos o seu último suspiro. O preparo do funeral, feito na própria residência, consistia em forrar todo o caixão com folhas de laranjeira colhida pelos netos e flores do próprio local. O enterro, outro drama da época, pois o cemitério era na cidade de Birigui, distante aproximadamente 50,0Km.. O cortejo funeral seguiu seu destino, transportando todos os familiares e amigos, inclusive o falecido, em cima de um caminhão aberto, improvisado com assentos de tábua.
Contrariando norma imposta do nosso avô, papai matricula inicialmente meu irmão, e eu no ano seguinte, no Grupo Escolar de Clementina.
No seio da família não era permitido conversar em outra língua, cresci numa comunidade praticamente isolada de qualquer contato com as crianças de outra origem, até o ingresso na escola pública brasileira.
Banzai! Banzai! Banzai! Lembrança viva da minha infância. Toda manhã, meu avô, que jamais aceitara a rendição do Japão, levava os seus netos, de fronte ao salão de festas e voltado para raiar do Sol, prestava reverências ao imperador. Não recordo por quanto tempo.
Aos nove anos, conheci um mundo diferente de outra língua. No primeiro dia de aula, emudecido e sem entender nada, estático e tomado pela timidez, estou num banco escolar, rodeado de dezenas de crianças, nunca antes visto. Tomado de espanto, vejo aquela figura estranha de óculos, boca avermelhada e cabelos loiros, com uma saia justa e sapato de saltos enormes (imagem, até hoje, viva na minha memória). Nem imaginaria que aquela criatura era uma excelente alfabetizadora, pois ao final do ano já sabia escrever e ler o primeiro livro Sodré. Não entendia nada do que ela falava, tão pouco, dos colegas que olhavam com aquele ar de “deboche”. Retraído, durante o primeiro recreio, não desgrudava do meu irmão mais velho. Nem o delicioso pão doce que papai, antes de entrarmos na escola, comprara, consegui saborear na hora da merenda, levando-o de volta.
Aos onze anos, como aprendiz de alfaiate, vim morar no pequeno povoado de Clementina, onde meu tio possuía uma alfaiataria. No ano seguinte, após as férias de inverno, sou enviado para a cidade de Lins. Mais um capítulo de minha vida tem início. Aprender o ofício no ramo de lavanderia, que papai comprara de um conterrâneo. Assim a trajetória de retirada do campo, protagonizada pelos nossos pais que sempre tinha como objetivo, dar estudo a todos, é consumada com a ida de toda a família para a cidade. Nenhum de seus nove filhos deixou de estudar. Cinco concluíram o nível superior e quatro o ensino médio.
Hoje, elevamos a nossa eterna gratidão, ao nosso pai (in memória) e a nossa mãe, pois seus netos seguiram o exemplo de seus pais e todos continuam na conquista da graduação universitária. A grande maioria é profissional de nível universitário.
DOCE RINCÃO
Assim denominado por mim, o lugarejo onde nasci. Foi onde passei a grande parte da minha infância. Localizado próximo a um lindo riacho de águas cristalinas e areia branca, repleto de lambaris coloridos. Enormes árvores povoado de macacos. Fartura de frutos silvestres, como o ingá, goiaba, imbaúbas, jatobá, maria preta, coquinho, cardozo, macaúba; pássaros e animais exóticos, como a pomba do ar, juriti, rolinha, sanhaço, pica-pau; periquito, ararinha, maritaca, pardal, beija-flor, anú, urubu, nhambu, codorna, sabiá, joão-de-barro, tatu, queixada, porco-espinho, jaguatirica, e tamanduá. A pesca também era farta nos rios e lagos da região. Não havia, naquela época, nenhum sentimento de preservação da natureza. A caça e a pesca eram mais um passatempo natural do que de subsistência. E do outro lado do riacho, a colônia espanhola, em número bem maior, mantinha a criação de gado bovino e suíno, com a produção de leite, queijo e lingüiça.
Toras enormes de madeira nobre eram retiradas e transportadas em enormes caminhões até a uma serraria existente na vila. Era o início da devastação da nossa fauna, flora e o assoreamento de rios.
Desde a construção de um simples cercado (mangueirões, currais e galinheiros); pontes; ferramentas agrícolas (cabos de enxada, rastelo, batedores, machado); veículos(carroça, trenó);utensílios e móveis doméstico (pilão, baú, roupeiros, cuias); a depósitos e casas para morar, eram de madeiras do próprio sítio. Retiradas da mata nativa, as grandes toras eram transformadas (muitas vezes, no próprio sítio) em tábuas, vigas , caibros até em lenha.
Teria sido uma ironia do destino, se tivesse participado dessa devastação, mas era apenas uma inocente criança. Distante daquela terra destruída e coberta de capim e erosão fica apenas a boa lembrança da minha infância. Como educador, transmito aos educando, os ensinamentos para reconstruir e preservar a natureza que vi esvair-se diante do olhar inocente.
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Hoje, aposentado nos dois cargos, após mais de trinta e cinco anos no magistério público estadual e municipal, continuarei a escrever, em dedicação a meus avôs e avós, pais e mães, tios e tias, e outros parentes, para que não se tornem em simples imigrantes anônimos. Pois, poucos conhecem a história real vivida por estes destemidos desbravadores que contribuíram para a construção da nossa Pátria.
São Paulo, fevereiro de 2008
Chundi Kawanami
chundikawanami@gmail.com
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil