Conte sua história › Julio Fucuta › Minha história
Meus avós, Kotaro Fucuta e Mito Saito, desembarcaram no Brasil em 1918. Eles se conheceram em alto-mar, no navio em que vieram, o Hakata-maru.
Kotaro veio da província de Fukuoka. Graças a um escrivão confuso com a sonoridade do nihongo, seu sobrenome "Fukuda" virou "Fucuta". Desconheço a região de origem de vovó. A ela foi confiada uma missão especial: resgatar um irmão que viera para o Brasil há alguns anos e voltar com ele. Ela foi escolhida porque era a mais fiel à família. Meus bisavós tinham certeza de que Mito não falharia em retornar ao seu país Natal.
Ela localizou o irmão. Casado e pai de uma criança, ele não pensava em voltar para o Japão tão cedo. De fato, nunca retornou. Mas a esposa dele, muito doente, já morrendo até, agarrou-se a Mito. Viu nela a substituta perfeita, a mulher que poderia cuidar de seu filho diante da morte iminente.
Mito cumpriu o que prometeu e cuidou da criança após a morte da cunhada — fato que a impediu de regressar ao Japão.
Casou-se com meu avô, Kotaro. Moravam com simplicidade em uma pequena cidade do interior de São Paulo, Miguelópolis. Como aprendeu rapidamente o português, Kotaro se tornou responsável pela comunicação entre os brasileiros e os japoneses que trabalhavam nas fazendas da região.
Graças a Mito e a uma gana de vencer inabalável, economizava tudo o que ganhava. No final dos anos 30, era proprietário de um posto de gasolina, um supermercado e uma fazenda.
Tiveram cinco filhos: duas meninas e três meninos. Kotaro morreu cedo, quando seu caçula, Julio, meu pai, tinha cerca de seis anos de idade.
Mito passou dos 90, sempre confundindo os moradores de Miguelópolis com sua mistureba de palavras brasileiras e japonesas. Eu não me recordo de ter entendido uma frase do que ela dizia em toda a minha infância. Mas seus Uguisu-Mochi eram inigualáveis.
Meu pai, dentista, casou-se com uma não nissei, uma união inaceitável para algumas famílias japonesas. Mas os Fucutas já estavam enraizados e receberam minha mãe de braços abertos — a ponto de descolara garfo e faca quando percebiam que ela ficava alarmada sempre que era chamada pra almoçar.
Meu pai, um nissei que gostava de brasileiras e futebol, nunca achou tempo para inserir a cultura japonesa em nossa casa. O mais próximo que chegamos disso foi encontrar, entre os discos de meu pai, Besame Mucho em nihongo.
Estive no Japão em 1992. Infelizmente, não pude conhecer nenhum parente de meus avós. Eles perderam completamente o contato com suas famílias quando, durante a Segunda Guerra Mundial, tiveram todo e qualquer documento escrito em japonês queimado pelo governo brasileiro. É um dos países mais fascinantes do planeta. Espantei-me tanto com o futurismo de Tokyo quanto com as dunas de areia de Totory-no-Sakyô. Kyoto é magnífica. Em Yokohama, tudo é imenso: os arranha-céus, as pontes cinematográficas, os parques de diversão (sem esquecer a maior roda gigante do planeta). E havia ainda o castelo de Osaka, os templos e o parque de Nara...
É bacana poder resgatar tudo isso aqui, nesse espaço tão democrático, e poder contribuir com um pedacinho dessa história que já faz cem anos.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil