Conte sua história › Paulo Moriassu Hijo › Minha história
Nasci em Presidente Prudente, num pequeno sítio, para lá do distrito de Eneida, 40 km distante da cidade. Ali, vivi um período da minha vida sem companhia de outras crianças. Meus pais e meus irmãos se mudaram para a cidade e eu fiquei com meus avós paternos. Como falava apenas com eles, falava japonês e o dialeto da ilha de Okinawa. Mal sabia português. Como nunca tinha saído dali, não conhecia nada da cidade. Sabia distinguir cavalos dos burros, marrecos dos patos, touros dos bois, animais machos das fêmeas, castrados dos não castrados, diferentes pássaros, mas das coisas da cidade não sabia. E como falava um português precário, até hoje trago comigo alguns resquícios. Ainda cometo erros de concordâncias e falo com sotaque.
Quando, finalmente, chegou o momento de iniciar meus estudos, fui levado para a cidade para freqüentar o primário - hoje, ensino fundamental -, no Grupo Escolar Prof. Adolpho de Arruda Mello, no centro da cidade. Era o início do ano de 1961 e contava com 8 anos. A escola ficava na rua atrás da Catedral de são Sebastião, que por sua vez localizava-se na praça Monsenhor Sarrion, e defronte dela, outra praça, 9 de Julho, com uma fonte luminosa e um coreto. Foi o dia mais feliz da minha vida até então. O que eu mais tinha querido era deixar aquele sítio despovoado. Naquela época, já gostava de agitação. Queria companhia de outras crianças, daí, talvez, sempre gostar de freqüentar escolas, apesar da minha timidez.
Cheguei na cidade, me lembro bem, e uns dias depois, de manhã, meu pai me levou para a escola em seu velho caminhão. Ele me fez chegar até a porta, de onde me conduziram para o andar superior. Junto à porta de uma das salas de aula, a professora aguardava seus alunos chegarem. Ela me recebeu com o ar sério, sem dar um sorriso. O primeiro dia serviu apenas para ela passar as instruções e a lista de material. Meu pai me esperou na saída.
No segundo dia, foi o meu avô que me levou. Fomos a pé. Assim que cheguei, uma inspetora me fez acompanhá-la, junto com outras crianças, até o pátio. A professora nos colocou em fila dupla, defronte a um coreto. Ordenou que ficássemos quietos. Ela tinha um olhar decidido que me davam a impressão de uma pessoa muito séria, brava e até certo ponto intolerante. Previsão que depois se confirmou. Como foi brava a minha primeira professora, a Dona Catarina Martins Artero. Também foi brava a dona Elizabete Zangari, professora do segundo ano. Gostava muito e tenho saudade da prof. Neide de Almeida, do terceiro ano, que me incentivou e mostrou que eu era capaz de aprender. Respeitava e admirava o meu professor do quarto ano, Sr. Arlindo Fantini. Ele lecionava de terno e gravata. Hoje há uma escola, na cidade de Presidente Prudente, que leva o seu nome, e outra que leva o nome da Prof. Catarina.
Quando todos os alunos estavam a postos, surgiu uma senhora pequena, de idade, e aparentemente de um corpo frágil, dentro de um vestido azul, subiu no coreto, deu as boas vindas, fez hastear a Bandeira Nacional e com um gesto iniciou o Hino Nacional. Foi acompanhada por todos, menos por mim. Já havia ouvido o Hino, mas não sabia cantar por não saber a letra. Hoje consigo cantar o nosso Hino, pois a cerimônia se repetiu por quatro anos. Depois do Hino, nos liberaram e, ordenadamente, em filas, nos dirigimos para a classe.
Na sala de aula, a professora pediu aos alunos que escolhessem as carteiras e se sentassem. Escolhi a terceira da fileira junto à porta. Era uma carteira que comportava dois alunos. Havia dois recipientes de tinta, um em cada extremidade, que, depois, tornaram-se obsoletos com as recém-chegadas canetas esferográficas, apesar de que a nós, do primeiro ano, só era permitido o uso de lápis. Abaixo do tampo havia um compartimento para os cadernos e livros. Assim que me sentei, um menino de tez branca e cabelos dourados sentou-se ao meu lado direito. Depois, porque ele era canhoto, trocamos de lugar.
Com os alunos acomodados, a professora abriu o livro de chamada e pediu que, ao ouvir o nome, o aluno se levantasse e dissesse: "presente!" Vi um a um se levantar e dizer: "presente!" E cada vez que um se levantava eu ficava mais nervoso, pois logo chegaria a minha vez. Quando ouvi aquela voz impostada me chamando, me levantei acanhado e, com o rosto ardente, em vez de dizer "presente", eu respondi em japonês com um "hai!", curvando-me para frente. A criançada caiu na risada. A professora ordenou que fizesse silêncio com uma voz firme e brava me fez repetir: "presente!".
Foi a primeira gafe, das muitas que cometeria depois, por ter um português pobre e ser caipira, já que tinha recém saído do sítio. E o engraçado de tudo isso é que ainda não domino bem o português, já não falo mais nem o japonês e nem o dialeto de Okinawa e, apesar de morar em são Caetano do Sul, cidade do ABC, região da Grande São Paulo, continuo tímido e caipira.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil