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Saudosa Okinawa
Primeiros Okinawanos no Brasil
Outro dia recebi uma visita do amigo jornalista Osvaldo Higa. Assim que me cumprimentou, me disse, "Vim só para trazer um presente para você." Entregou-me um cd contendo músicas de Okinawa, arquipélago localizado no extremo sul do Japão, que há pouco pus a tocar. Estou escrevendo ao som de "samishen", um instrumento de três cordas, cujo bojo é coberto com pele de cobra, que produz um som único.
Okinawa, de onde vieram os meus avós e minha mãe - meu pai nasceu em Promissão, interior de São Paulo -, é um cantinho muito especial do Japão. Lá, falam uma língua, que os japoneses de outras províncias não entendem. Dizem que o dialeto okinawano é a língua japonesa antiga. Apesar de pertencer ao Japão, Okinawa tem a sua própria cultura e costume. É muito rica em cultura, arte e culinária. Esta é responsável pela longevidade dos okinawanos. Sim, os japoneses de lá são os que vivem mais. Ah, de lá saiu o caratê e se espalhou pelo mundo inteiro.
As ilhas, de onde vieram os meus ascendentes, como ficam numa região subtropical - cana-de-açúcar e batata doce são bastante cultivadas -, têm um clima ideal para os turistas desfrutarem as suas lindas praias com suas águas cristalinas e transparentes. Aproximadamente 5.000.000 de turistas visitam Okinawa à procura das suas praias exóticas todos os anos.
Apesar da beleza natural e o turismo forte, o arquipélago de Okinawa só saiu da obscuridade e se tornou conhecido há pouco tempo. Algumas décadas atrás, vivia ainda a idade média. A pobreza tomava conta da maioria dos habitantes. Foi por isso que muitos okinawanos deixaram a sua terra natal para tentar uma vida melhor em outros paises. Meus avós e minha mãe optaram pelo Brasil. Meus avós chegaram aqui trazendo poucas coisas, mas valiosas. Duas das coisas que trouxeram e lhes foram muito prestativas foram uma vitrola a corda e uma montanha de discos duros e quebradiços.
Quando eu era criança e vivia em um sítio em Presidente Prudente. Lembro-me bem dos momentos que, vez ou outra, os adultos se reuniam, após o jantar, para ouvirem as musicas de Okinawa. Sob a fraca luz de uma lamparina queimando querosene, meu pai dava corda girando uma manivela da vitrola, colocava um disco no prato e, depois, repousava um dispositivo com agulha, de onde o som saia.
Assim que a música começava, todos ouviam em silêncio; e eu percebia, em cada um, a doída saudade sentida do longínquo arquipélago de Okinawa. Quando a música era lenda e triste, sentir um vazio, por estar em um local estranho, era inevitável e eu via muitos olhos se emudecerem. Caro leitor, se você não é okinawano e nem "nissei", descendente de primeira geração, não faz idéia quanto sofreram os primeiros okinawanos que aqui chegaram, um lugar completamente diferente, sem, ao menos, ter o que estavam acostumados a comer.
Quando me perguntam se sinto saudade da minha infância, respondo categoricamente que não. Que motivo tenho, se via tristeza nos olhos dos meus avós e de meus pais, não só por sentirem saudade de Okinawa, mas também por termos careceido de muitas coisas. É, leitor, a vida dos primeiros okinawanos nesta terra foi dura, põe dura nisso. Repito: só nós, okinawanos, sabemos o que passamos e o quanto sofremos. Basta perguntar aos descendentes que nasceram e viveram na zona rural.
Fico imaginando, quantos, assim que chegaram, por vários motivos e óbvios, não desejaram desesperadamente regressar para Okinawa. Mas como voltar? E quando a saudade de alguém que ficou lá batia, como se comunicar? Não havia telefone e nem força elétrica nos sítios naquela época. As cartas demoravam meses para daqui chegar no Japão e de lá para chegar aqui.
Para matar um pouco a saudade de Okinawa, só restava ouvir as músicas de lá, como estou fazendo agora. Estou me deliciando com a música "Shima Uta" ("Canção da Ilha ou da Terra"), que acaba de começar e fala da ilha de Okinawa, enquanto escrevo. Puxa, há quanto tempo não ouvia essa canção, que me fez lembrar dos meus avós e meus pais, que tanto sofreram e lutaram para nos criar e não puderam usufruir uma vida mais digna.
As canções antigas de Okinawa, que muito ouvi quando criança, começam a mexer comigo e tornam o meu escrever uma difícil empreitada, pois algumas gotas de lágrimas já rolam sobre a minha face; e na minha lembrança rolam cenas tristes, nas quais vejo que os personagens são os meus sofridos avós e pais, que há tempo se foram. Não, não foram para Okinawa, mas para um outro mundo. Tomara que para um mundo e vida melhor, que neste não encontraram.
É, ouvir as músicas do tempo dos nossos avós, que Osvaldo Higa me presenteou, me trouxe uma imensa alegria. Também trouxe muitas lembranças gostosas, mas que me causaram muita tristeza e acabam de provocar em mim um choro incontrolável. Ó, leitor me desculpe por não poder continuar. A canção me dificulta bastante a escrita. A saudade, provocada pelas músicas, que sinto de meus avós e pais é muita.
Crônica publicada no www.gostodeler.com.br
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil