Conte sua história › Paulo Moriassu Hijo › Minha história
Ser pobre e passar fome pode ser cultural. Explico. Assim que mudamos de Presidente Prudente, interior de São Paulo, para o bairro de Camilópolis, na cidade de Santo André, região ABC Paulista, enquanto não trabalhávamos, passamos por um período difícil. Vivíamos sem dinheiro, mas fome não experimentamos. Imagine uma família com onze bocas para alimentar.
Os okinawanos, talvez por terem passado por uma recessão nos inícios do século passado, aproveitavam tudo na cozinha. Inventaram várias formas de preparar um mesmo produto, seja animal ou vegetal. Desenvolveram muitos modos de conservar os alimentos.
Ovos, os okinawanos fazem de dezenas maneiras, inclusive uma sopa deliciosa, que chamamos de "uburu". A mistura cozida de ovo com toucinho defumado, ervas e "missô" (pasta de soja) torna-se um excelente acompanhante de "gohan" (arroz japonês sem sal). "Missô" também dá um caldo maravilhoso. Folhas de cenouras novas, talos de agrião, folhas de couve-flor, casca de batatinhas eram aproveitados.
Todas as sextas-feiras, minha mãe e minhas irmãs iam à feira para fazer a despesa da semana. Mesmo levando pouco dinheiro, naquela época, nos meados da década de 60, voltavam com as sacolas lotadas. A minha mãe encontrava produtos que os brasileiros não apreciavam, e os compravam por preços baixos. Ela também ganhava muitas coisas dos feirantes japoneses.
Na banca de frangos, a minha mãe recebia miúdos (coração, fígado e moela), pescoços e pés. Na de verdura, talos de agrião, folhas tenras de cenouras. Na de carne, miolo de boi e bucho. Na de peixe, cabeças, com as quais fazia-se uma saborosa sopa. Ainda na banca de peixe, sinta inveja, caro leitor - que delicia! - ela ganhava ovas de tainha. Hoje, essa iguaria chega a custar quase 100 reais o quilo. Também ganhava barbatanas de cação, que fica uma delicia na sopa e no ensopado.
Minha mãe e minha avó cozinhavam bem. Ah, que saudade do feijão da minha mãe. Meus amigos e parentes que experimentaram o caldo grosso do feijão dela, dizem que nunca mais comeram um tão gostoso quanto o da minha mãe. A minha falecida esposa, Nilsen, quando tinha um feijão fresco, ia comer na minha mãe e trazia um pouco para a nossa casa.
Sinto muita falta de um risoto que minha avó fazia com tudo que havia na cozinha. Ia carne de frango, porco, legumes e várias verduras. Era delicioso um prato típico de Okinawa feito com nabo seco pela minha mãe. Mas de todos os pratos que minha mãe e minha avó preparavam , acredite leitor, é o refogado de "naberá" (bucha). Sim, é um tipo de bucha de Okinawa, comestível quando nova, antes de virar um objeto de esfregar no banho. "Naberá" dava no quintal do fundo. Quando o pé carregava com o tal fruto, era uma festa. Está vendo, como não podíamos passar fome mesmo não tendo dinheiro?
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil