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Dias atrás recebi um telefonema inesperado, por duas razões: primeira porque moro em Piracicaba, poucas pessoas sabiam que o número do meu telefone havia mudado, e a ligação veio de Campinas; a segunda é ainda mais surpreendente, não vejo a pessoa que me ligou há mais de quarenta anos.
Bem, não preciso explicar como essa pessoa descobriu o meu telefone, porque hoje, quem tem boca e conhece os modernos meios e comunicação, não somente vai a Roma como descobre coisas inimagináveis, tudo isso sem sair de casa.
Quem me ligou foi Kazuaki Suguimoto, que mora em Campinas há mais de trinta anos, conforme suas palavras, pois não o vejo desde 1962, quando éramos alunos da Universidade Mackenzie, em São Paulo, eu no último ano de engenharia e ele na arquitetura, a série não me lembro.
Depois de trocarmos algumas palavras que nos fizeram viajar ao passado, ele me comunicou que em setembro deste ano haverá uma reunião de ex-alunos e internos do Seiryogakuen, que existia em Londrina desde o fim da década de quarenta até por volta de sessenta, se não estou enganado. Certamente estarei presente à festa que ocorrerá na minha cidade natal, deverá ser um evento fantástico, sobretudo curioso aonde muito dos ex-alunos vão se encontrar depois de sessenta anos, ou mais!
A instituição citada foi uma das primeiras do gênero na cidade, uma escola de japonês e internato para estudantes, fundada pouco tempo depois do término de Segunda Guerra Mundial. Lembro-me vagamente que no início de 1948, com doze anos incompletos, meus pais me matricularam nessa escola, ela estava no segundo ano de funcionamento. Portanto fui um dos primeiros alunos do saudoso Seiryogakuen. A pessoa que me ligou é filho do Suguimoto sensei, o meu primeiro professor de japonês, cujo seu corpo esguio, ar professoral, óculos de aro redondo plantado no nariz, simpático no trato, porém exigente, ainda permanecem gravados na minha memória.
Na época, eu e meu irmão mais velho tínhamos acabado de concluir o grupo escolar, contudo meus pais não tinham condições de matricular-nos ao ginásio, precisavam da nossa mão de obra para ajudar na lavoura. Para não interrompermos definitivamente os estudos, eles decidiram que faríamos um ano de japonês, estudando uma hora por dia no Seiryogakuen, localizado a pouco mais de meia hora a pé do sítio onde morávamos.
Depois de um ano, em 1949, a situação econômica dos meus havia melhorado um pouco, não necessitavam da nossa mão de obra o dia todo, podíamos dedicar meio período para estudos. Lembro-me perfeitamente que ficamos contentes e gratos pela notícia de que poderíamos fazer o ginasial de manhã, desde que no período da tarde trabalhássemos na lavoura. Optamos por fazer o ginasial interrompendo o curso de japonês, no entanto, sabíamos que a vontade deles era de que levássemos os dois cursos simultaneamente se as circunstancias não os impedissem. Acredito que eles sabiam que aprender bem o japonês seria útil no futuro, mesmo para quem mora fora do Japão.
Atualmente não exerço mais a profissão de engenheiro, sou aposentado, mas o aprendizado da língua japonesa em casa, na comunidade onde morava, no Seiryogakuen, somado com o processo de aperfeiçoamento através de convivência com os japoneses, sempre na área profissional, tanto aqui como no Japão, fizeram com que descobrisse uma nova atividade, a de interprete japonês-portugues para empresas brasileiras que importam tecnologia japonesa na fabricação de produtos de alta tecnologia.
Quando Kazuaki me telefonou e falou do nihongo-gakko, confesso que naquele momento passou na minha mente um pedaço do filme da minha vida, da infância e juventude em Londrina. A minha vida profissional deu muitas guinadas, mas sou feliz e sinto-me útil ao exercer uma atividade prazerosa, onde posso vasculhar os mistérios que envolvem dois povos totalmente opostos, historicamente e culturalmente.
Por isso costumo dizer, o que faço atualmente não é trabalho, é um entretenimento cultural que traz retorno financeiro, graças a visão que os meus pais tiveram quando era criança.
*Toshio Icizuca é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil