Conte sua história › Toshio Icizuca › Minha história
A Segunda Guerra Mundial estourou em 1939. Nasci três anos antes, na pequena comunidade japonesa chamada Tyuo, em Londrina, onde cerca de cinqüenta famílias de imigrantes oriundos do Estado de São Paulo se instalaram, mediante aquisição de pequenos lotes de terra cobertos de mata virgem. Eram ex-colonos que haviam cumprido o contrato de permanência obrigatória em fazendas de café, conforme exigência do acordo de imigração.
Meus pais contavam que os primeiros anos de vida no Paraná não foram fáceis. Três crianças pequenas, duas delas nascidas no sítio sem nenhuma assistência médica, apenas com a ajuda das vizinhas, e a primogênita que veio ao mundo quando eles eram colonos. Outro dia, revendo fotos antigos, deparei com uma que estou no colo da minha mãe, tendo como pano de fundo uma casa de madeira coberta de tabuinha, que foi a nossa morada por três anos aproximadamente. Ela foi construída em uma clareira aberta na mata, próximo a um córrego que fornecia a água para o banho e outras necessidades. Em outra área desmatada, pés de café começavam a sair das covas, criando uma grande expectativa de dias melhores aos futuros cafeicultores. Grande parte do lote de cinco alqueires ainda continuava intacta, dominada por frondosas figueiras, perobas e guaritás. Na época, derrubada de matas eram executadas pelos próprios imigrantes em forma de mutirão, com a ajuda de roceiros experientes.
O período de 1939 a 1945, tempo de guerra, os imigrantes não gostam de lembrar, nem seus filhos, foi uma época triste, discriminação forte contra os japoneses, proibições de toda ordem, algumas absurdas, e o medo era constante, em casa, na rua, inclusive nas escolas. Eu estava no Grupo Escolar distante cinco quilômetros do sítio. Caminhava sozinho todos os dias na estradinha de terra batida, escorregadia em dias de chuva e poeirenta quando fazia sol. Meus irmãos estudavam em outro período, no colégio particular, a primeira escola fundada na cidade. Meus pais ficavam aflitos até a criançada voltar da escola. Nessa época a família contava com mais duas crianças, cinco ao todo, duas meninas e três homens.
Com o término da guerra os imigrantes começaram a respirar um pouco mais aliviado, embora discriminações continuassem em escala menor durante certo tempo. Havia mais liberdade para cultuar tradições orientais, em família e no gakkô, também conhecido como kaikan. Algumas atividades culturais e esportivas, como ensino da língua japonesa, gakugueikai, kendô, beisebol e undôkai eram praticados com entusiasmo. Mas, a novidade que fascinava a criançada era o cinema no kaikan.
O cinema itinerante acontecia em média uma vez a cada três meses, de baixo de cobertura de lona e bancos de madeira para se sentar. O equipamento para passar filmes não era de boa qualidade, muito barulhento, era alimentado através de um gerador portátil, uma vez que não havia luz elétrica no local. Durante a exibição ocorriam várias interrupções, imagens continham muitos chuviscos, e o som que saía dos alto-falantes era sofrível. A reclamação era geral, adultos pela má qualidade do serviço, e os jovens pelas interrupções, porque queriam ficar no escurinho com as meninas, ensaiando beijos, abraços e passadas de mão. As interrupções ocorriam por rompimento da fita, e o carretel rodando em falso provocava um barulho característico, como som de sucessivas chicotadas. O reparo levava cerca de cinco a dez minutos, executados sob a claridade de uma lâmpada alimentada através do gerador, motivo da reclamação dos jovens...
Os filmes eram clássicos da história do Japão, ou romances da Meiji, desinteressantes para criançada, no entanto ela se divertia com a novidade, tudo era festa, até interrupções eram festejadas com gritos imaginando que se tratava de pausa para descanso, ou para comer obentô que os pais levavam.
A preocupação dos imigrantes em educar os filhos em boas escolas, dar-lhes boa formação para se tornarem cidadãos brasileiros, e ao mesmo tempo fazer com que eles cultuassem as caras tradições da pátria de onde vieram não foram inúteis, muitos nisseis e sansseis dominam a língua japonesa, fazem questão de seguir algumas tradições, e têm orgulho de serem descendentes de imigrantes.
Por ocasião da recente visita de Naruhito, príncipe herdeiro do Japão, ao Brasil, para participar das comemorações do centenário da imigração japonesa, os nipo-brasileiros souberam comportar-se como bons anfitriões, não cometeram gafes nem atitudes grosseiras, demonstrando que as lições que aprenderam na juventude não foram em vão.
O legado que os imigrantes deixaram às futuras gerações precisam ser valorizados e cultuados como um rico tesouro, e nossa eterna gratidão aos bravos imigrantes.
*Toshio Icizuca é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil