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Toshio Icizuca

Piracicaba / SP - Brasil
88 anos, Engenheiro/Escritor

Cinema no Kaikan e outras lembranças


A Segunda Guerra Mundial estourou em 1939. Nasci três anos antes, na pequena comunidade japonesa chamada Tyuo, em Londrina, onde cerca de cinqüenta famílias de imigrantes oriundos do Estado de São Paulo se instalaram, mediante aquisição de pequenos lotes de terra cobertos de mata virgem. Eram ex-colonos que haviam cumprido o contrato de permanência obrigatória em fazendas de café, conforme exigência do acordo de imigração.

Meus pais contavam que os primeiros anos de vida no Paraná não foram fáceis. Três crianças pequenas, duas delas nascidas no sítio sem nenhuma assistência médica, apenas com a ajuda das vizinhas, e a primogênita que veio ao mundo quando eles eram colonos. Outro dia, revendo fotos antigos, deparei com uma que estou no colo da minha mãe, tendo como pano de fundo uma casa de madeira coberta de tabuinha, que foi a nossa morada por três anos aproximadamente. Ela foi construída em uma clareira aberta na mata, próximo a um córrego que fornecia a água para o banho e outras necessidades. Em outra área desmatada, pés de café começavam a sair das covas, criando uma grande expectativa de dias melhores aos futuros cafeicultores. Grande parte do lote de cinco alqueires ainda continuava intacta, dominada por frondosas figueiras, perobas e guaritás. Na época, derrubada de matas eram executadas pelos próprios imigrantes em forma de mutirão, com a ajuda de roceiros experientes.

O período de 1939 a 1945, tempo de guerra, os imigrantes não gostam de lembrar, nem seus filhos, foi uma época triste, discriminação forte contra os japoneses, proibições de toda ordem, algumas absurdas, e o medo era constante, em casa, na rua, inclusive nas escolas. Eu estava no Grupo Escolar distante cinco quilômetros do sítio. Caminhava sozinho todos os dias na estradinha de terra batida, escorregadia em dias de chuva e poeirenta quando fazia sol. Meus irmãos estudavam em outro período, no colégio particular, a primeira escola fundada na cidade. Meus pais ficavam aflitos até a criançada voltar da escola. Nessa época a família contava com mais duas crianças, cinco ao todo, duas meninas e três homens.

Com o término da guerra os imigrantes começaram a respirar um pouco mais aliviado, embora discriminações continuassem em escala menor durante certo tempo. Havia mais liberdade para cultuar tradições orientais, em família e no gakkô, também conhecido como kaikan. Algumas atividades culturais e esportivas, como ensino da língua japonesa, gakugueikai, kendô, beisebol e undôkai eram praticados com entusiasmo. Mas, a novidade que fascinava a criançada era o cinema no kaikan.

O cinema itinerante acontecia em média uma vez a cada três meses, de baixo de cobertura de lona e bancos de madeira para se sentar. O equipamento para passar filmes não era de boa qualidade, muito barulhento, era alimentado através de um gerador portátil, uma vez que não havia luz elétrica no local. Durante a exibição ocorriam várias interrupções, imagens continham muitos chuviscos, e o som que saía dos alto-falantes era sofrível. A reclamação era geral, adultos pela má qualidade do serviço, e os jovens pelas interrupções, porque queriam ficar no escurinho com as meninas, ensaiando beijos, abraços e passadas de mão. As interrupções ocorriam por rompimento da fita, e o carretel rodando em falso provocava um barulho característico, como som de sucessivas chicotadas. O reparo levava cerca de cinco a dez minutos, executados sob a claridade de uma lâmpada alimentada através do gerador, motivo da reclamação dos jovens...

Os filmes eram clássicos da história do Japão, ou romances da Meiji, desinteressantes para criançada, no entanto ela se divertia com a novidade, tudo era festa, até interrupções eram festejadas com gritos imaginando que se tratava de pausa para descanso, ou para comer obentô que os pais levavam.

A preocupação dos imigrantes em educar os filhos em boas escolas, dar-lhes boa formação para se tornarem cidadãos brasileiros, e ao mesmo tempo fazer com que eles cultuassem as caras tradições da pátria de onde vieram não foram inúteis, muitos nisseis e sansseis dominam a língua japonesa, fazem questão de seguir algumas tradições, e têm orgulho de serem descendentes de imigrantes.

Por ocasião da recente visita de Naruhito, príncipe herdeiro do Japão, ao Brasil, para participar das comemorações do centenário da imigração japonesa, os nipo-brasileiros souberam comportar-se como bons anfitriões, não cometeram gafes nem atitudes grosseiras, demonstrando que as lições que aprenderam na juventude não foram em vão.

O legado que os imigrantes deixaram às futuras gerações precisam ser valorizados e cultuados como um rico tesouro, e nossa eterna gratidão aos bravos imigrantes.

*Toshio Icizuca é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba.


Enviada em: 30/07/2008 | Última modificação: 30/07/2008
 
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Comentários

  1. Júlio Kobayashi @ 5 Fev, 2008 : 14:36
    Afora os profissionais que vivem da função, há os que registram fatos e histórias sem a pretensa investida literária ou jornalística, mas que despertam igualmente um grande interesse pelos seus propósitos. Há outros, os mais entusiastas, que fazem por um desejo de protagonismo e vaidade, confiantes na própria veia literária, e que acabam apenas num malabarismo de linguagens rebuscadas e redundantes. Mas há ainda outros, os que nos transportam diretamente à alma humana, através da sensibilidade natural, espontânea e despretenciosa. E com grande habilidade em traduzir emoções. E este último, é o caso dos seus textos e de mais um perfil, a quem já postei aquí, por ter-me tbém emocionado . Parabéns pelas crônicas. Júlio

  2. Luci Suzuki @ 18 Mai, 2008 : 07:47
    Sr. Icizuca, confesso que muitos textos aquí neste site, tais como os seus, me despertam um prazer quase infantil de desejar que o último parágrafo não se conclua, ou então, esperar que haja uma página sucessiva, com novos relatos de igual intensidade. A alegria e o alvoroço dos moradores rurais com a chegada da luz elétrica, descritos com uma pátina poética pelas mãos de um escritor no relato “Luz no Campo“, não poderia suscitar emoções diferentes. É uma fotografia que remexe na memória do meu pai, já falecido, e das nossas longas conversações, nas quais relembrava com uma incontida emoção, a chegada de grandes conquistas: a luz elétrica, a água na torneira e os primeiros aparelhos de comunicação trazidos para dentro de casa. Usando a própria hipérbole do meu pai, naquele contexto rural, o simples interruptor ao primeiro fogão a gás, lhe valeram uma liberdade tão imensa quanto o grande passo que a humanidade ganhara com a chegada à lua. Creio que imagens e fragmentos como estes, são como um grande puzzle, que não pode ignorar o menor elemento para compor, de fato, a História. O resto, é mera festança. Um abraço, Luci

  3. Luci Suzuki @ 29 Mai, 2008 : 15:03
    Sr. Icizuca, me permito amarrar algumas analogias ao raciocínio do seu último parágrafo, - no qual observa como certas projeções econômicas ou políticas conquistadas por uma nação possam fortemente influir na recuperação da identidade de seus indivíduos fora de sua terra de origem e sua consequente inclusão social. Onde vivo, assisto a olho nú, esta mesma inversão de tendência na relação entre a sociedade anfitriã – no caso, a italiana – e alguns grupos de estrangeiros que vivem no país. Até há alguns anos, a sociedade local se distinguia entre a italiana e os “Outros”, os desconhecidos. Estes, pertenciam àquela massa disforme e heterogênea de mão-de-obra barata, constituída sobretudo por estrangeiros do hemisfério sul, sem uma precisa feição ou distinção cultural, convenientemente agrupados sob a denominação genérica de “extracomunitários” – ou, não-pertencentes à União Européia. Mas nestes tempos que correm, a história tbém vira a página com grande velocidade, ditada pelos efeitos da globalização. Dentre os “extracomunitários” locais, um exemplo emblemático deste efeito é o de chineses. Sua comunidade formada ao longo do péríodo pós-Deng Xiaping, começa hoje a ganhar apelativos menos pejorativos e mais proeminentes, não apenas pelo seu espírito empreendedor dentro do território italiano, mas por efeito econômico e político que a China representa para a economia local. Obviamente isso tem gerado focos de xenofobia aquí e alí, e não apenas em relação aos chineses, mas isso é assunto para outros temas. O mesmo, creio, esteja ocorrendo tbém com as comunidades indianas, esparsas pelos continente, pelas mesmas razões. O fato é que hoje, os filhos de chineses nascidos aquí na Itália, começam a recuperar a própria identidade cultural e a usufruir dessa dualidade para servir de ponte entre a economia local e o próprio país de origem. (E convenhamos, sabemos que a economia européia depende muito mais do salto econômico chinês que o contrário). E por ironia, deste intercâmbio nasce tbém o reconhecimento cultural. Para finalizar, gostaria de relatar alguns flagrantes pouco agradáveis observados nos guichês de controle de imigração, durante desembarques, onde há 2 corredores distintos, entre os cidadãos da UE e os não-UE. Os japoneses, norte-americanos, canadenses e outras nacionalidades de países ricos, - que oficialmente pertencem ao mesmo “grupão” dos marroquinos, peruanos, brasileiros ou senegaleses, - passam quase imunes ao controle rigoroso de passaportes. Qdo a fila dos não-UE se alonga, há oficiais que bradam “Only japaneses, please! ”, para direcioná-los à fila dos europeus e aliviar o afogamento dos guichês. E o mesmo ocorre com os norte-americanos, claro. É triste constatar o qto a economia estabeleça as relações humanas, sobretudo as inter-raciais. Me perdoe pelo longo comentário. Abraços, Luci

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