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Toshio Icizuca

Piracicaba / SP - Brasil
88 anos, Engenheiro/Escritor

Identidade Japonesa


Um dia desses estava ouvindo músicas japonesas gravadas em fita cassete direcionada aos cantores e amantes do karaokê, dessas que contém play-back das músicas e canções interpretadas por renomados cantores do Japão. Tenho essa fita há anos, mais de dez anos, comprei-a na época que Karaokê Taikai de Piracicaba estava começando. Hoje, os cantores trazem músicas gravadas em CD, acompanhando a modernidade.

Em todos os taikais, minha função sempre foi de apresentador, shikaisha, porque cantar não é o meu forte. Quem sabe um dia aprenda a cantar, pois meu irmão era assíduo participante de concursos, desde a época do nodojiman, precursor do karaokê.

O gênero de música japonesa que mais gosto de ouvir é enka, que me remete ao longínquo Japão, de onde vieram meus pais, em 1933, como imigrantes para trabalhar como colonos na fazenda de café na região de Penápolis, interior de São Paulo.

Talvez pelo fato de ter nascido e criado no seio da colônia japonesa, na zona rural de Londrina, onde o idioma corrente era o japonês, músicas que ouvíamos no velho gramofone que meu pai trouxe do Japão eram todas do período Meiji, antes da Segunda Guerra Mundial, e as apresentações teatrais encenados no gakko, conhecido como gakugeikai, eram falados em japonês, acabei absorvendo muitas coisas da cultura oriental a ponto de ficar em dúvida quanto a minha verdadeira identidade, japonesa ou brasileira.

Exatamente o lado da identidade japonesa que me acompanha desde criança se manifestou no momento que ouvia Ukiyobune, interpretada por Assakura Yumiko, e Wassedadoori, cantada por Gozai Kaori, ótimas interpretes do enka, espécie de melodrama que penetra no universo feminino e mostra o sentimento da mulher japonesa. Apesar de ser brasileiro, esse tipo de música me toca profundamente, ela me leva ao país das cerejeiras e faz imaginar cenários que correspondem às frases do verso. Nesse exato momento bate uma espécie de saudade - embora não exista esta palavra em japonês -, como se na outra vida tenha sido um autentico japonês. Acredito que filhos de brasileiros nascidos no exterior que recebem educação em ambas as línguas, devem experimentar sentimentos semelhantes ao ouvir um samba-canção, uma bossa nova, ou música raiz, que falam da alma brasileira.

Não é somente na música que ocorre esse tipo de manifestação, acontece também ao assistir um filme japonês que retrata o drama do cotidiano, ou no esporte, quando uma equipe japonesa tem como adversária a seleção brasileira, fazendo com que o coração fique dividido sem saber a quem torcer, e na maioria das vezes acaba pendendo para o lado do time japonês, talvez por afinidade, ou por simpatia, coisas que não tem muita explicação. Por exemplo na última Copa do Mundo de futebol realizada na Alemanha, quando o Brasil caiu na mesma chave do Japão, houve o confronto direto no qual o perdedor ficaria fora da etapa seguinte. Não sei dizer se foi por causa dos problemas surgidos na seleção comandada por Parreira, torci muito para que o Japão ganhasse, mas um fato estranho ocorreu após o jogo, não fiquei triste com a derrota dos nossos patrícios e, nem muito contente com a vitória do Brasil.

O lado japonês que maioria dos nisseis nascidos antes da Segunda Guerra Mundial carrega consigo não tem nada a ver com o patriotismo, que é um sentimento de amor à pátria, veneração pelo país onde nasceu, ou orgulho que temos pelas coisas da pátria mãe. A identidade japonesa não é aparente, ela é muito subjetiva, enrustida, e só se manifesta em determinados momentos. Diria que é um sentimento de amor e respeito às origens, valores que aprendemos a cultuar no seio da família e na comunidade em que fomos criados.

Esses nisseis brasileiros de feição oriental, pelo fato de muitos deles terem sofrido discriminações, ofensas e humilhações de toda ordem durante a Segunda Guerra e nos primeiros anos que se seguiram, sofreram crise de identidade, pois não entendiam por que foram maltratados apesar de serem brasileiros. Diante da situação foram observadas duas reações distintas, os que ficaram envergonhados de serem brasileiros com cara de japonês, procuraram esquecer a identidade japonesa, ignorar a origem, desprezar a língua falada pelos pais, enquanto outros, apesar de lamentar o infortúnio conservaram o lado japonês, procuraram assimilar rapidamente a cultura ocidental através de estudo, pois entendiam que somente assim ganhariam espaço, respeito e admiração da sociedade brasileira.

Mas o mundo dá muitas voltas, o Japão renasceu das cinzas e tornou-se segunda potência econômica do mundo. Hoje, o japonês é respeitado em qualquer lugar, eu mesmo pude comprovar isso em viagens que fiz ao exterior. Esse fato auspicioso fez com que muitas coisas da cultura japonesa e processos industriais, até então ignorados, tornassem conhecidos e introduzidos na cultura ocidental. Com isso, muitos nisseis que renegaram a identidade japonesa nos momentos difíceis, voltaram a reincorporar o elo perdido e se dedicam ao movimento de valorização da cultura japonesa.


Enviada em: 26/05/2008 | Última modificação: 26/05/2008
 
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Comentários

  1. Júlio Kobayashi @ 5 Fev, 2008 : 14:36
    Afora os profissionais que vivem da função, há os que registram fatos e histórias sem a pretensa investida literária ou jornalística, mas que despertam igualmente um grande interesse pelos seus propósitos. Há outros, os mais entusiastas, que fazem por um desejo de protagonismo e vaidade, confiantes na própria veia literária, e que acabam apenas num malabarismo de linguagens rebuscadas e redundantes. Mas há ainda outros, os que nos transportam diretamente à alma humana, através da sensibilidade natural, espontânea e despretenciosa. E com grande habilidade em traduzir emoções. E este último, é o caso dos seus textos e de mais um perfil, a quem já postei aquí, por ter-me tbém emocionado . Parabéns pelas crônicas. Júlio

  2. Luci Suzuki @ 18 Mai, 2008 : 07:47
    Sr. Icizuca, confesso que muitos textos aquí neste site, tais como os seus, me despertam um prazer quase infantil de desejar que o último parágrafo não se conclua, ou então, esperar que haja uma página sucessiva, com novos relatos de igual intensidade. A alegria e o alvoroço dos moradores rurais com a chegada da luz elétrica, descritos com uma pátina poética pelas mãos de um escritor no relato “Luz no Campo“, não poderia suscitar emoções diferentes. É uma fotografia que remexe na memória do meu pai, já falecido, e das nossas longas conversações, nas quais relembrava com uma incontida emoção, a chegada de grandes conquistas: a luz elétrica, a água na torneira e os primeiros aparelhos de comunicação trazidos para dentro de casa. Usando a própria hipérbole do meu pai, naquele contexto rural, o simples interruptor ao primeiro fogão a gás, lhe valeram uma liberdade tão imensa quanto o grande passo que a humanidade ganhara com a chegada à lua. Creio que imagens e fragmentos como estes, são como um grande puzzle, que não pode ignorar o menor elemento para compor, de fato, a História. O resto, é mera festança. Um abraço, Luci

  3. Luci Suzuki @ 29 Mai, 2008 : 15:03
    Sr. Icizuca, me permito amarrar algumas analogias ao raciocínio do seu último parágrafo, - no qual observa como certas projeções econômicas ou políticas conquistadas por uma nação possam fortemente influir na recuperação da identidade de seus indivíduos fora de sua terra de origem e sua consequente inclusão social. Onde vivo, assisto a olho nú, esta mesma inversão de tendência na relação entre a sociedade anfitriã – no caso, a italiana – e alguns grupos de estrangeiros que vivem no país. Até há alguns anos, a sociedade local se distinguia entre a italiana e os “Outros”, os desconhecidos. Estes, pertenciam àquela massa disforme e heterogênea de mão-de-obra barata, constituída sobretudo por estrangeiros do hemisfério sul, sem uma precisa feição ou distinção cultural, convenientemente agrupados sob a denominação genérica de “extracomunitários” – ou, não-pertencentes à União Européia. Mas nestes tempos que correm, a história tbém vira a página com grande velocidade, ditada pelos efeitos da globalização. Dentre os “extracomunitários” locais, um exemplo emblemático deste efeito é o de chineses. Sua comunidade formada ao longo do péríodo pós-Deng Xiaping, começa hoje a ganhar apelativos menos pejorativos e mais proeminentes, não apenas pelo seu espírito empreendedor dentro do território italiano, mas por efeito econômico e político que a China representa para a economia local. Obviamente isso tem gerado focos de xenofobia aquí e alí, e não apenas em relação aos chineses, mas isso é assunto para outros temas. O mesmo, creio, esteja ocorrendo tbém com as comunidades indianas, esparsas pelos continente, pelas mesmas razões. O fato é que hoje, os filhos de chineses nascidos aquí na Itália, começam a recuperar a própria identidade cultural e a usufruir dessa dualidade para servir de ponte entre a economia local e o próprio país de origem. (E convenhamos, sabemos que a economia européia depende muito mais do salto econômico chinês que o contrário). E por ironia, deste intercâmbio nasce tbém o reconhecimento cultural. Para finalizar, gostaria de relatar alguns flagrantes pouco agradáveis observados nos guichês de controle de imigração, durante desembarques, onde há 2 corredores distintos, entre os cidadãos da UE e os não-UE. Os japoneses, norte-americanos, canadenses e outras nacionalidades de países ricos, - que oficialmente pertencem ao mesmo “grupão” dos marroquinos, peruanos, brasileiros ou senegaleses, - passam quase imunes ao controle rigoroso de passaportes. Qdo a fila dos não-UE se alonga, há oficiais que bradam “Only japaneses, please! ”, para direcioná-los à fila dos europeus e aliviar o afogamento dos guichês. E o mesmo ocorre com os norte-americanos, claro. É triste constatar o qto a economia estabeleça as relações humanas, sobretudo as inter-raciais. Me perdoe pelo longo comentário. Abraços, Luci

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