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O CASAMENTO
Prólogo
Os fatos aconteceram em Junho de 1.960 e muito se esvaiu da minha memória. Naquela época, os meus pais já haviam abandonado a lavoura e se dedicavam à produção e comercialização de ovos e ração de aves. Estavam também introduzindo a produção de ovos pelo esquema de “meeiro” com algumas famílias recém chegadas do Japão.
Decerto há quem diga que já eram ricos, contudo não os vejo desta forma. Eram empreendedores! Tanto que, nós os filhos, éramos obrigados a participar de todas as atividades da granja e da comercialização de ovos e rações. Comíamos o que a terra nos dava, caminhávamos com os pés descalços e vestíamos o que dispúnhamos. Sempre digo que a minha mãe foi a criadora dos “T shirts” e precursora na introdução de propaganda em roupas. Todas as nossas camisas e calças curtas eram confeccionadas com sacos de ração alvejados e continham, nas costas, na frente ou no bumbum, inscrições como “Moinho Santista”, “Moinho Matogrossense” ou “Açúcar do Brasil”. Às vezes, até exibíamos uma inscrição em verde e amarelo “Tipo Exportação”!
O Casamento
O primeiro dos filhos era a primeira, a mais velha das primas, já chegando a “orudo missu”! “Onde já se viu”, vinte e três anos e ainda solteira! Preocupação de todos, tios, tias distantes empenhados na procura, quando uma delas, a que morava em Tupã, exclamou: “noivo a vista!”. E o grito de Tupã, digno de um trovão, ecoou por todo o Brasil até na longínqua Nova Esperança onde os parentes mais velhos se encarregaram de esmiuçar a historia familiar do pretendente. Aprovado, a alegria foi generalizada, os preparativos para o primeiro encontro se consolidaram. Alvoroço em Guararapes, no “inaka do inaka”!
O PRIMEIRO ENCONTRO! A mãe preocupada vestiu os filhos menores com roupas novas, calças curtas tingidas de azul anil e camisas “T shirts” alvejadas, sem propaganda ou carimbos, confeccionadas especialmente para a ocasião! Alegria que duraria pouco, porque, certamente, as inscrições apareceram em outras “T shirts” agora duplamente, na frente e atrás. Cumprida as formalidades de apresentação, nenhum olhar foi trocado, apenas consentimento forçado. Cabisbaixos, sem palavras, caminharam pelo quintal, contaram seus passos na falta do que fazer, seguidos pela algazarra das crianças curiosas. Casamento acertado, a formalidade: sakê vertido em pires sendo sorvido em três pequenos e delicados goles. O momento da despedida chegou, trocou-se só um leve aceno.
A TRES DIAS DA DATA DO CASAMENTO! Tios e tias, primos e primas de idades próximas, antes nunca visto, chegaram para os preparativos da festa de casamento. Fornos e fogões a lenha foram acesos, “mandju” dourados com desenhos em baixo relevo feitos com tampinhas de tubaína sendo assados; “ampans” com “ankoo” sendo cozidos no vapor; “motis” sendo socados em pilão de tronco; todos eles guardados em tabuleiros de madeira intermináveis. Inhames, conservas de brotos de bambu em sal, nabos, cenouras, bardana (gobô), alguns nozinhos de alga seca reidratada, sendo reservados para o “nishimê”. Omeletes sendo fritos, vagens e cenouras cozidas, longas tiras secas de cabaça (“campiô”) sendo reidratadas e preparadas para o “makesushi”, pasteis e “coroke” sendo fritos. O toque ocidental: porcos e galinhas sendo preparados para o “mariakê”.
O SEGUNDO ENCONTRO! O fotógrafo e a noiva vestida com quimono, gentilmente emprestado por uma família japonesa recém chegada, e calçada com sandálias de madeira (guetá?) preparadas pelo pai, procuram o melhor local e ângulo para a foto. Os parentes palpitam; as crianças interferem e atrapalham; o pai, orgulhoso, tenta impor uma ordem; o noivo, tímido e envergonhado, lá do canto, apenas observa! As irmãs e primas mais velhas, exibem aquele ar sonhador e de inocente inveja, imaginando como será a sua vez.
Sobre as quatro longas mesas e bancos feitos de tábuas apoiadas em caixotes de ovo, forradas com papel manilha rosa, foram dispostos, alternadamente, os quitutes preparados em travessas decoradas com folhas de “nantem” e bambu, garrafas de guaraná e cerveja, copos americanos com “ohashis” de bambu feitos manualmente e guardanapos de papel sobre um prato, estabelecendo o lugar para cada conviva. Tampouco faltou o mamão verde espetado com palitos de mortadela, queijo e azeitona! Na cabeceira destas mesas, montada transversalmente, a mesa principal. No centro desta mesa, um enorme bolo todo enfeitado com massa americana e flores de glacê branco, com os nomes dos noivos e um coração flechado desenhado no topo. Em cada lado do bolo dois enormes vasos com flores de todos os tipos, colhidos sem critério na roça, enfeitavam a mesa. Ao longo de uma parede do galpão, montes de engradados vazios e vários tambores com gelo e palha de arroz mantinham as bebidas geladas. Era um cenário cinematográfico!
A FESTA COMEÇOU! Na mesa principal, tomam lugar os noivos defronte ao bolo. A seguir, de cada lado, os pais, o “casamenteiro” e os representantes das famílias. Nas quatro mesas, os convivas. Todos os olhares se voltam para a mesa principal, um silêncio constrangedor invade o recinto. O “casamenteiro” pigarreia e toma a palavra para anunciar os discursos. Discursam o pai do noivo, o pai da noiva, os representantes de cada família, todos eles tecendo elogios eloqüentes à parte contrária e expondo com modéstia as poucas qualidades, uns até antecipando desculpas pelos defeitos de sua parte.
Antes que os movimentos de enfado das crianças contagiassem também os adultos, o “casamenteiro”, sabiamente, interrompe os discursos e propõe o brinde. Copos são levantados e em uníssono, todos gritam “banzai”, três vezes! Está autorizada a comilança! Três dias de preparo consumidos em pouco menos de meia hora!
Na falta de discursos, “natsukashiis enkas” são cantados pelos convivas mais ousados. Desafios aos pais dos noivos são lançados. Lembro-me, ainda, do meu pai, que nenhuma vocação musical tinha, cantando uma que se assim se iniciava: “Hato pô pô ....”.
Vários convivas se despedem. Outros mais persistentes e entusiasmados, já um pouco embriagados, passam a cantar o mais “tradicional” das musicas: “Kinou Katian to furôo haitara, henna no tokoro ni ana ga.......”. É o fim da festa!
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil