Conte sua história › Antonio Minoru Katayama › Minha história
A imagem da horta repleta de verdejantes hortaliças domina a minha mente. Couves-flor crescendo em sua pujança, com suas flores douradas coroadas de verde, berinjelas de cor violeta quase preta suspensas pesadamente nos galhos encurvados de pequenos arbustos, nabos brotando da terra como espadas brancas encabeçadas de aureolas verde olivas, redondos repolhos enfileirados uniformemente pelo campo como se fossem soldados em dias de parada, acelgas bojudas esnobando viço, gordas cebolinhas com suas longas hastes apontando o céu: tudo indica, hoje é dia de sukiyaki.
Os preparativos começam logo ao amanhecer: a escolha do cachaço capado mais gordo; o berro animal estridente ecoando no ar anunciando a abastança; os meninos na horta escolhendo a melhor couve flor, a maior “bola” de repolho, e num esforço hercúleo arrancando da terra os longos nabos brancos e gordas cenouras amarelas bem lisas; um alvoroço sem par que até os cães percebem que aquele dia é especial, dançando freneticamente em torno de seus pequenos donos. E na cozinha, sob comando do olhar severo da Mãe, as meninas lavam e cortam e... “falam” animadamente num gorjeio continuo e harmonioso!
Mesa e cadeiras são retiradas da cozinha de piso de cimento queimado, sacos brancos de farelo de trigo vazios, impregnados de pó da ração animal e guardados na tulha, são sacudidos, limpos e lançados ao chão em camada tripla, geometricamente num “circulo elíptico”. Em um extremo da elipse fica o fogareiro de carvão, o tal de “ritirim”, encabeçado por uma enorme panela, quase um pequeno tacho; na sua frente, os dois únicos “zabutons” da casa, colocados um sobre o outro como um trono real. Ao lado da panela, dispostos sobre uma tábua, dois longos pares de “ohashi” caseiros de bambu, o litro de shoyu, a lata de banha de porco e o pote de açúcar. Mais a frente nacos generosos da carne crua do animal abatido fatiados e alojados em uma bacia de cobre toda remendada com prateadas soldas de estanho. E na parte interior da elipse, bandejas, panelas e travessas, numa profusão de utensílios de cozinha cheios de legumes, acelgas e repolhos desfolhados, verdes amarelos e brancos convivendo e dando um alegre ar colorido.
Entardece, nesta noite o lampião de gás é aceso no lugar de esfumaçadas e oleosas lamparinas de querosene. A luz clara brilha naquele velho ambiente, transformando-o no que imagino ser um luxuoso salão multicolorido de um palácio imperial. Os três meninos tomam lugar, sentados no chão em torno da elipse, à esquerda do trono em seqüencia de idade; à direita a Mãe, seguida das cinco meninas em seqüencia inversa de idade, as mais novas próximas da Mãe. E a algazarra impera motivada pela ansiedade da espera; logo diante de um silencio respeitoso, o Pai toma o seu lugar no trono e com gestos cuidadosos, começa a aquecer a banha de porco. E a Mãe, com os olhos constritos, sopra e abana o leque esforçando para manter a brasa viva; pequenas fagulhas vermelhas voam sobre a panela no meio da fumaça como se fossem fogos de artifício.
Fatias de carne fritam na banha como uma orquestra de mil grilos, interrompido num único “chuá” pelo shoyu e açúcar. O agradável aroma acre doce invade o ambiente e aguçam as papilas das crianças. Porções generosas de legumes e folhas são acrescentadas e escondem o objeto de cobiça dos olhos impacientes. O Pai toma uma pequena porção e experimenta o sabor diante dos olhares ansiosos do sinal de aprovação. A Mãe se prepara para servir os mais novos, lamentando a ausência do “tyonan” e da filha, ambos estudando em portos distantes.
Sacia-se a fome das crianças antes sentadas eretas, agora relaxadas, as mais novas dormitando quase que deitadas nos sacos vazios de farelo. É a vez deles, e o Pai, com aquele ar sábio e senhoril, filosofa com a Mãe: o melhor sukiyaki é o que se come no fim.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil