Conte sua história › Antonio Minoru Katayama › Minha história
Vendo o perfil traçado pelo meu filho e navegando pelo site da Abril em comemoração aos 100 anos da imigração, tenho lido manifestações de tantos com nomes Tanakas, Abes, Ikedas, ....yamas e ... muras, mais Yamamotos, Imotos e outros motos, porem todos precedidos de Ricardos, Joses, Daniels etc, e muitos com Silvas intercalados, alguns até mais sofisticados com Smiths e Schneiders no final, imagino-os certamente enesimos nikkeys. Mas eles não viveram o que vou lhes contar.
Na minha condição de 2ª. geração de imigrante japonês nesta terra (o autentico nissei), nascido no “inaka” do “inaka”, numa modesta choupana de pau a pique em um sítio afastado localizado de uma cidadezinha do interior do estado chamada Guararapes, chamaram-me desde cedo “Antonio”!!! Poderia ter sido Mario, Carlos, Pedro, Milton, Paulo ou José, nomes comuns para filhos de japonês na época, mas me chamaram de “Antonio”! Vergonha sentida naquela classe primeira do primeiro grau de uma escola rural! Como poderiam chamar de Antonio .... Tonho, Toninho ou qualquer outro diminutivo aquele japonesinho de sandália de dedo feito de palha de arroz e fibras de taboa!
Logo, como todos os pais japoneses do “inaka” do “inaka”, imaginaram eles que na escola da “cidade” poderiam dar uma educação melhor a seus filhos e prepará-los para vencerem nesta terra. Sofrida foi a nova condição, vara de marmelo na mão da exigente professora Dirce descendo no imaculado bumbum por não saber a “tabuada dos nove” e muito menos conjugar verbos!
Pobres, porém orgulhosos, meus pais não me permitiam depender de caridade alheia; caixa escolar, jamais! Aquela sopa de legumes com ossos que tantos se deliciavam no refeitório do Grupo Escolar Dr. Antonio Pinto de Oliveira, só me era permitido mediante escambo... carregava por quilometros aquela abobora gigantesca produzida no sítio para trocar por fichas de sopa! Esperta a minha irmã Alice, que se valia da condição de ser menina e levava meia dúzia de chuchus!
Sorvete? Vale a imaginação. O que é mais doce que um gomo de cana de açúcar com uma lasca de bambu espetado no centro? Quente, não! Meia hora imerso naquele riacho de águas límpidas era suficiente para dar a leve sensação de frio no calor de trinta e muitos graus.
Ano Novo. Felizes lembranças. Aquela garrafinha de tubaína protegida com palha de arroz que alguns chamavam de guaraná maçã, feito pequeno furo com prego na tampinha, mantido fechado com o dedo polegar e agitado freneticamente, deveria durar o dia inteiro. E o ano novo era comemorado por três dias, então eram três garrafinhas! Mamão verde espetado de palitos com mortadela, queijo e azeitona, uma visão espetacular! Escondido debaixo da mesa de tábuas ouvindo os meus pais recitarem aquele cumprimento formal japonês, levantava a mão furtiva diante dos olhares complacentes das visitas de praxe de ano novo, e apossava de meia dúzia de palitos sabendo que naquele dia seria perdoado de todas as mazelas e pecados!
Missoshirus, ozonis, tsukemonos, nishimes, não me marcaram. Faziam parte do meu dia-a-dia. Começava ao amanhecer com gohan com tsukemono e nukazuke embebido na água e chamava o prato aristocraticamente de “otcha zuke”. Às vezes tinha até o bacalhau grelhado na brasa, vagens de soja verde ou pequenos inhames cozidos na água com sal! No almoço gohan com qualquer coisa da estação cozido com missô ou frito com ovo. O “qualquer coisa” podia ser mamão verde do quintal, talo de rama de batata doce esquecido pelas galinhas, broto de bambu, brotos de amendoim germinados das sementes perdidas na roça, às vezes berinjela, quiabo ou nabo, folhas de caruru refogadas em gordura de porco e frituras de “picon”. No jantar, de novo gohan com conserva de carne de porco frito em gordura aquecida com cebolinha ou “nirá”, regado com shoyu caseiro e missoshiru feito de caldo de galinha velha. Peixe fresco só o pescado com anzóis de agulha dobrada no córrego da divisa do sítio. Traíras, bagres e lambaris eram motivo de festa.
E um dia chegou finalmente o momento de deixar o “inaka”. A alegre infância se esvaíra. Era praxe na família: terminado o que na época chamávamos de ginásio, tínhamos que “migrar” sozinhos para São Paulo, ser aprovado no exame de seleção de um bom colégio público e se preparar para tornar “doutor” em uma das profissões aceitáveis: engenheiro, médico ou advogado!
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil