Conte sua história › Antonio Minoru Katayama › Minha história
Comunicados de ultima hora de suas pretensões, os pais mal tiveram tempo para fazer as averiguações sobre a família da pretendida. Na ausência do “casamenteiro”, as informações disponíveis eram poucas, nada além do sobrenome. Nem mesmo a província de origem, o navio ou o ano em que o pai dela viera do Japão, tampouco o sobrenome de solteira da mãe, nada, nadinha! Filho segundo desnaturado, ovelha negra, já lhes frustrara outrora o seu sonho de grandeza: ao concluir os estudos, recusara retornar à casa paterna para incrementar os negócios da família. Inconcebível, mas o que fazer? Pouco tempo para designar alguém para estabelecer as convenções de praxe, não restara alternativa, senão fazer o que fizera em outros seis noivados de filhos seus.
Soubera de sua filha, a sétima de seus filhos, a caçula, a querida, a mais mimada por todos, jamais contrariada, que pretendia noivar. Nada demais, costumes ocidentais já assumidos em outros seis noivados de filhos seus, dos quais três mistos consentidos, tradições japonesas guardadas esquecidas em um remoto recanto de sua alma de samurai, imaginava que bastava um jantar para selar o compromisso. É isso, um belo jantar, aquela novilha nelore que criara com tanto carinho, pedigree de primeira, branquinha como a alma imaculada de sua filha, caberia sob medida para um bom churrasco de noivado!
Decisão tomada, o pai, na véspera checa a lista: fuutou ($$$$$) (imagina-se hoje que fossem muitos cifrões), ok; obon (bandeja), ok; tanmono (corte de tecido), ok; nori e kombu, ok; osakê, ok... e os peixes? Ah, os peixes! Procura-se logo ao amanhecer, contudo, na peixaria de sua pequena cidade, nada mais encontrara que um par de sardinhas! Pede para outro filho ir à cidade vizinha, esta maior, mais metropolitana, e eureka... ele encontrou dois belos exemplares de dourado. Pensa o pai, inadequados, não eram pargos (tai)! Eram peixes de água doce..., mas eram peixes, devem servir, imagina! O primeiro contratempo foi contornado, ainda restavam os 250 km de distancia a percorrer. Família no carro, o relógio marcando o tempo se esvaindo inexoravelmente, reza para que não ocorra nenhum imprevisto.
Desde cedo, embora fosse a sétima vez, a emoção prevalece como se fosse a primeira. Era a sua ultima filha, a caçula! Aguarda a chegada ansiosamente, horas passam e nada! Mil pensamentos fatídicos, mas uma certeza, o pretendente já estava lá.
Após as apresentações, os pais conversam sobre temas genéricos, fúteis e inúteis. Mas chegado o momento formal, os pais do pretendente, com ares de seriedade ensaiada, apresentam o “yuinou” (a lista). Surpresa! Gesto não esperado, procura recordar as tradições esquecidas, quando surpreendentemente sua filha, disfarçando profunda contrariedade, diz baixinho que quer conversar em particular. Ouve-se da sala vizinha partes de uma conversa sussurrada que as paredes de tábua não conseguem isolar: NÃO QUERO SER VENDIDA!
Tremendo corre-corre na família, tios e amigos mais idosos acorrem para explicar, pacientemente, o significado do “yuinou”, mas a pequena teimosinha com sua carinha de boneca de porcelana japonesa, candidamente reafirmava: “Não quero ser vendida!”. Novas confabulações entre os parentes, alguém alerta que, segundo a tradição, a devolução do “yuinou” significaria a rejeição do compromisso. O pai, encurralado tenta convencer a filha, mas ela, categoricamente afirmava “não quero ser vendida!”. Passam-se as horas, convidados começavam a chegar, e ela continuava insistindo: “não quero ser vendida!”. O pai já desesperado, mas sem perder em momento algum a compostura, num estalo, tenta contemporizar: e se devolvêssemos somente o “fuutou”?
Nova reunião entre as famílias, agora o “yuinou” aceito sem o “fuutou”, dezenas de desculpas pedidas insistentemente por dezenas de vezes, alguém pergunta: cadê os peixes? De novo o alvoroço: cadê os peixes?
Refletindo os últimos raios solares daquele crepúsculo maravilhoso, lá estavam os peixes, numa profusão de reflexos dourados, diante do outro filho que murmurava desolado e cabisbaixo entre gente desconhecida: e agora, o que faço com os peixes?
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil