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SANTA FÉ, INÍCIO DE TUDO E PANORAMA DE TOYOURA,
DO MODERNO PARA A PÓS-MODERNIDADE
Santa Fé do Sul fundamentou a modernidade dos Taninaga. Com o tempo a cidade ganhou cenários pós-moderno, o mesmo ocorreu com as cidades de Toyoura e Nova Xavantina. Atualmente não somente produção de coisas a exemplo do que faziam os ferreiros Nino e Osada em Santa Fé, mas de não coisas. Não somente a criação de sentidos para uma palavra, mas também para um conjunto delas a exemplo de um PANORAMA.
Gosto do Panorama de Toyoura do álbum de fotografias, mais do que gostar foi amor a primeira vista. Andei pela cidade, mas sempre na altura do nível do mar e vi o seu lado micro. Vi ruas asfaltadas, prédios de concreto armado, lojas de conveniência, jidoo-hanbaiki, enfim, deparei com a presença da modernidade em Toyoura. Pernoitei numa das preciosidades turística local ou o Hotel Kawatana. Vi e senti o luxo, o movimento ao mesmo tempo público, mas também privado no onsen do hotel, a riqueza da culinária e a jovialidade da atendente. Bonita, linda, educada e estava temporariamente em Toyoura, era de Fukuoka. Fui surpreendido pela cidade, entendi que não havia caminhado pela Toyoura da vovó Shigueno.
Encontrei uma cidade spa, voltada para o Turismo, completamente diferente do Panorama da vovó. Na parte inferior do seu então panorama o tempo era circular, próximo do ciclo da natureza. Estava moroso, estagnado e sem perspectivas futuras. Na parte intermediária o mar lhe sugerindo mudanças. Na parte superior, na linha acima do horizonte, o vazio ou a possibilidade de sair da estagnação. O tempo poderia ser transformado, de circular para linear e para a vovó bastava renovar a Moldura.
Como disse, havia estagnação em Toyoura e para quem estava vivendo lá, distante de Tókyo, do Palácio Imperial e do black ship do comandante Perry - referências fundamentais da restauração meiji -, poderia imaginar uma Terra Brasil à disposição e ela realmente esteve em várias ocasiões para a vovó. De maneira que a partir de 29 surgiram inúmeros tempos para ela e todos eles lineares devido os deslocamentos. Cada deslocamento assentado em novos vir a ser, novos espaço tempo e zeramentos discursivos. Carreiras profissionais nasceram destes deslocamentos e os seus desenvolvimentos se confundem com a própria história do país. Foram décadas de acontecimentos de forma que entre Toyoura, início de tudo e Toyoura 2008 existem grandes diferenças. Toyoura se transformou numa moderna cidade turística:- de Toyoura Tókio para Toyoura Shimonoseki.
Se Santa Fé fundamentou, a modernidade dos Taninaga em si mesma ocorreu na capital paulista, por intermédio do desenvolvimento da quarta moldura Shigueno. Após a realização de um quadrante - iniciado em 29 e firmado nas décadas de 60 e 70 -, na década de 90 a situação da vovó era deveras peculiar. Ela tinha, de um lado, os meus familiares e os Taninaga de São Paulo e, na sua oposição, Matsuoka, Tamaki e São Paulo, Hirai e Campinas. Cada um com as suas realizações, seus pecados, sacrifícios, dores, glórias e amores, com as suas trajetórias fundamentadas em coisas. Cada um com o seu panorama.
Vovó se relacionou de uma forma especial com Toyoura. Ela sempre esteve mais nas proximidades de Toyoura, início de tudo, do que de Toyoura. Certamente com o tempo outras cidades passaram a fazer parte da sua vida a exemplo de Santa Fé do Sul, São José do Rio Preto, São Paulo, Campinas etc. E cada cidade fruto de um deslocamento, cada deslocamento promovendo um descentramento e, conseqüentemente, criando um novo centro. Como ocorreram vários deslocamentos o maior desafio da vovó foi, ao longo do seu tempo, manter a unidade dos seus.
Unidade numa situação de multiplicidade de discursos. Por volta dos anos 80 a segunda geração dos Taninaga já estava vivendo em função dos filhos, todos eles com carreiras e vidas bem definidas e estabilizadas.
Sem dúvida nenhuma, os discursos foram paulatinamente se distanciando da moldura que a vovó mantinha em suas origens:- Toyoura, início de tudo. O panorama mudou drasticamente no final da década de 80, uma das razões foi a entrada do Japão no cenário nikkei. Razão pelo qual citei os Matsuoka, Tamaki, Hirai e poderia estender a minha lista citando a Tomoshiku, Isuzu etc. Simultaneamente uma parcela dos nikkeis estava retornando às suas origens, num fluxo cidade-campo.
Vovó percebeu isso.
Fim da história? Toyoura, início de tudo, havia se esgotado? Não haveria mais possibilidade de deslocamentos? É neste clima de incertezas que a quinta moldura foi criada, assegurando a continuação parcial de tudo que os Taninaga haviam feito até então. Parcial para mim, pois a vovó não viveu plenamente o seu segundo quadrante uma vez que as nossas comunicações diminuíram assintóticamente a partir de 93.
Com essa diminuição a unidade discursiva da vovó ficara particularmente enfraquecida em suas origens, estaríamos agora vivendo no âmbito de forças centradas no oriente e no ocidente. Por outro lado com o advento da net, das letras, do conjunto de letras e sentidos associados, um novo advento de não coisas:- da fala para as letras e vice-versa, do moderno para o pós-moderno e vice-versa, modernidade E pós-modernidade propiciando o surgimento de outras formas de restaurações discursivas.
A vovó adorava falar.
Detestava jogar conversa fora e amava falar com brilho.
Incluo agora o brilho do belo das formas e dos sentidos, Panorama de Toyoura como a encarnação do belo. O belo do Hotel Kawatana, dos onsens e dos turistas, está deslocado dos tempos da vovó e aquela estagnação econômica que ela vivia ficou para trás, as terras brasis lhe mostrou os caminhos para a realização da sua consciência.
O que o José fez, na sua mudança para Ivinhema, foi dar continuidade na história. Na ocasião Santa Fé não satisfazia mais e por questão de espaço. A propriedade já havia ficado pequena para o que ele queria fazer. Assim como papai eu também saí de Santa Fé, depois de ter residido em outros locais vivi quatro anos na capital paulista. Campinas foi a minha ultima cidade que antecedeu o Japão e de lá conheci Nova Xavantina.
Do lado esquerdo da Rodovia que liga Barra do Garça e Nova Xavantina existe um elevado, algo que nunca havia visto nas terras de Santa Fé. Visitamos este elevado, eu e um Grupo de amigos - boa parte deles de Santo André -, movidos pela curiosidade e me deixou uma lembrança lindíssima. Foi o meu último vislumbre da Terra Brasil.
Vislumbre este equivalente ao que a vovó teria visto no Panorama de Toyoura, no caso um uma ilha costeando, a imensidão do mar e o vazio acima do horizonte, e equivalente ao que o seu primogênito viu em Ivinhema. A equivalência está na dimensão dos vazios, vazios dos horizontes, planícies e planaltos.
O elevado chamou a minha atenção ainda na minha ida para Nova Xavantina e por um pequeno detalhe. Do lado esquerdo da Rodovia, lá no alto, divisei a uma estátua moldada pela natureza. Ela está posicionada como se fosse a guardiã da região ou um imenso planalto de pastagens verdejantes onde pode ser visto reses pastando em um cenário paradisíaco.
Por uma outra razão eu e o Grupo retornamos a este mesmo ponto, havíamos sido convencidos por um taxista a realizar uma turnê turística na região. Ele estava interessado na corrida e, no fundo, acabou se transformando no agente do vislumbre. À parte o meu particular interesse pelo reencontro com o Guardião. Não um do tipo alfa e ômega, duplos e deparáveis em portais xinto e budista, mas uno e que faz de si mesmo uma referência, como fez a vovó durante toda a sua trajetória com a Terra Brasil.
Guardião, vigilante silencioso ou Toyoura, início de tudo, como a representação do vazio. Vazio ou grau zero discursivo E o vir a ser pela criação dos sentidos, opção de berço da maioria dos Taninaga.
E eis que, caminhando pelas trilhas do elevado, encontro com o Guardião. Deixo os demais do Grupo seguir em frente e fico ao seu lado admirando a dimensão do planalto. Esta era a imensidão além mar que a vovó Shigueno teria pressentido existir a partir de Toyoura, e todos os lugares por onde ela passara não era nada perto do que eu estava vendo naquele momento. Em nenhum outro local, seja em Santa Fé do Sul, Campinas, São Paulo etc ou mesmo na minha visita a Toyoura eu voltei a ter esse tipo de vislumbre.
Voltei ao deslumbre com o Panorama de Toyoura 2008, muitos anos depois da vovó ter feito a sua trajetória, depois da minha própria visita a Toyoura e numa situação não exatamente casual, mas marcada pela temporalidade do Século XX. Vislumbre possível devido a iniciativa de um taxista, que fez o papel de agente turístico em pleno planalto central mato-grossense. Oportunista sim, mas até um certo ponto, no fundo ele foi apenas um precursor do que iria acontecer com Nova Xavantina. Imagens sobrepondo imagens e o vislumbre acabou retornando não pela direção de um taxista, mas pelo clic de um celular.
Com o desenvolvimento da modernidade em Toyoura nem o mar dos pescadores, nem as terras dos agricultores, mas forças subterrâneas da natureza. O centro da cidade se deslocou para o interior da terra, origem dos onsen e rotemburos que movimenta a atual economia da cidade e região. As minhas referências de Santa Fé continuam sendo os ferreiros Nino e o Osada, anexo a sua Ponte Rodoferroviário. Ponte, temporalidade do Século XX, materialização de um sonho e elo de ligação leste-oeste.
Ainda no Guardião sabia que o taxista nos esperava. Mais do que nunca Toyoura está entre nós pelo turismo, assim como Nova Xavantina e Santa Fé do Sul ou a ¨primeira Estância Turística do Estado de São Paulo que tem uma faculdade municipal de Turismo¨. Desço percorrendo as trilhas do elevado com as imagens dos Panoramas gravadas na memória.
Panoramas E pós-modernidade, guardiões da paz.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil