Conte sua história › Anna Shudo › Minha história
Eu me considero terráquia nascida no interior do PR com 100% de DNA japonês. Como todo descendente era chamada de "japa", "japonesa" ou "japinha", tanto na escola quanto na vida profissional. Sim, a cara de japa no Brasil fazia diferença como para a maioria dos nikkeis, seja pela suposta inteligência e honestidade. Por outro, nikkei não trabalhava em meio de comunicação, não era político, muito menos podia ser muito diferente como participar de movimentos estudantis, ser fashion ou ser artista. Graças a Deus isso é coisa do século passado.
Na minha infância meu dizia que era melhor estudar japonês pois o Japão se tornaria uma potência mundial. Nem dava bola pra isso pois não tinha a menor intenção de visitar ou morar no Japão. Estudei inglês pois achava que era um idioma universal, como é, e queria fazer uma pós-graduação fora do Brasil, em algum país onde o idioma fosse esse. Estudei e trabalhei no Paraná e quando os primeiros brasileiros com dupla nacionalidade começaram a vir para o Japão era chefe de gabinete de um deputado estadual. Tinha uma eleitora que vinha sempre me visitar que decidiu tentar a sorte no país de seus pais. Eu a achei uma louca, em 88.
Eu gostava do meu trabalho no gabinete pois peguei a fase da constituinte e redigir projetos de lei nas áreas de educação, ecologia, micro e pequenas empresas, segurança e direitos do menor e da mulher era um delírio. Fazer parte desse processo me fazia feliz pois estava colocando em prática muitos dos conceitos do meu tempo de estudante. Mas os bastidores da política brasileira eram decepcionantes. Estava ficando cansada de ver e ouvir coisas que feriam os meus valores como ser humano, ser social, ser político, como cidadã, enfim.
Num dos meus finais de semana de folga, no começo de 90, fui visitar a minha família em Maringá, quando a minha mãe me entregou um recorte de jornal e sugeriu que eu fosse lá ver se a proposta iria me agradar. Eu pensei com os meus botões: "Japão? Não, acho que não estou interessada". Mas, como se tratava de um anúncio de uma companhia japonesa que fechou parceria de troca de tecnologia com uma companhia brasileira de porcelana fina, resolvi dar uma espiada no seminário.
O auditório do hotel estava lotado de nikkeis. Creio que havia mais de 200 pessoas, maioria do sexo masculino. Não vi ninguém com uma carinha boa, feliz. Mas todos prestaram muita atenção e fizeram perguntas que eu não estava entendendo como questões salariais, moradia e condições de trabalho. Confesso que não tinha a menor noção do que as empresas estavam pagando para os brasileiros que quisessem vir ao Japão. Para mim, tudo foi uma grande surpresa.
Ao terminar o seminário, sobraram somente um moço na faixa dos 30 anos e eu, também com 30 anos. Como não falava japonês fiz várias perguntas em inglês e a pergunta final foi: "se é uma fábrica de porcelana, há vaga para desenhista?". A resposta foi sim. Confesso que levei um susto. E o diretor disse que eu seria bem-vinda. Achei estranho ter sobrado somente duas pessoas para a entrevista final. Essa empresa estava ofertando vagas para estagiários. Eles estavam recrutando pessoas no PR por que a indústria era paranaense com unidades em SC e queriam que essas pessoas aprendessem a tecnologia japonesa em 2 anos para voltar, ensinar o que aprendeu para os funcionários locais. Os diretores de ambas as empresas jogaram confete para eu aceitar a proposta. Afinal, ninguém se interessou. Passei a mão na proposta escrita em japonês e pedi para a minha tia, irmã mais velha do meu pai, ler e me traduzir.
Para encurtar a conversa, o meu pai estava trabalhando aqui na época por que o dinheiro dele que estava aplicado foi congelado por causa daquele plano horroroso que expulsou muitos brasileiros para o exterior. Telefonei pra ele perguntando o que achava da idéia e foi contra. "Você não vai gostar daqui. Acho melhor ficar por aí. O Brasil é o seu país", disse. Mas, a teimosa, quis mudar de vida, ainda mais que mesmo fazendo campanha contra o Collor as pesquisas indicavam que seria eleito.
Enfim, me desfiz de tudo em Curitiba, me despedi dos amigos, chorei muito e vim para cá em setembro de 90, sem saber que a suposta vaga de estágio era uma pílula dourada. Ou seja, eu vim mesmo como dekassegui achando que era estagiária. Um terço da minha vida foi vivida aqui. Cheguei sem falar japonês, achei tudo estranho e com a minha cara de japa o povo daqui não conseguia entender por que não falava japonês e me comportava de forma diferente deles.
Eu não fazia diferença nenhuma aqui. Eu tinha uma cara parecida com as dos 120 milhões de japoneses. Para fazer diferença logo vi que precisava aprender o idioma deles por que o prometido inglês (foi o que me disseram na entrevista) ninguém entendia.
Assim começou a minha história no país dos meus antepassados, com muitos choques culturais mas rica em aprendizados.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil