Conte sua história › Ana Paula Akemi Matsuda Morioka › Minha história
01. VENCER = SOBREVIVER
Se pararmos para analisar a história da imigração japonesa no Brasil, o tempo que se teve que trabalhar exclusivamente para sobreviver foi muito curto. Dos cem anos, apenas um terço ou menos foi dedicado a este fim. Não quero, com esta declaração, diminuir o drama dos primeiros imigrantes, ou ainda, banalizar todo sofrimento vivido, pelo contrário, quero dizer que a batalha foi árdua, mas rápida e efetiva, tanto que a vitória foi certeira. Segundo inúmeros relatos, além de se preocuparem com teto e comida, os primeiros isseis que chegaram ao Brasil ainda tiveram que amargar a desilusão do sonho de retornarem ricos ao Japão em pouco tempo. Meu ditiam Matsuda, por exemplo, deixou seu primogênito para trás e embarcou apenas com minha tia bebezinha e a batiam, achando que voltaria logo com dinheiro para acabar de criar seu filho. Voltou a vê-lo somente 40 anos depois! Sendo assim, quanto mais rapidamente conseguissem se conscientizar de que o Brasil seria seu novo lar, mais rapidamente conseguiriam se adaptar e criar os filhos já com outro espírito, outra visão e compreensão: não eram japoneses de passagem em terras longínquas, de costumes estranhos e língua mais estranha ainda; eram japoneses em terras brasileiras que precisavam aprender e conhecer o mais rápido possível a língua, o clima, o solo e os costumes locais para poderem, não só sobreviver nelas, mas também, criar raízes. Acredito que esta tenha sido a primeira grande vitória japonesa no Brasil: entre ilusão e realidade, escolheu-se enfrentar a segunda a sofrer e morrer pela primeira, daí talvez se explique a aridez de emoção e a rudeza nos modos de quem viveu este período.
02. VENCER = TER
Uma vez assentados em terras brasileiras, era necessário, agora, consolidar a presença, ou seja, fazer-se respeitado e isso os japoneses e seus primeiros descendentes conseguiram através de muito trabalho duro, honesto, forte caráter e de muita dedicação aos estudos. Não havia escolha, não havia muitas opções e nem tempo para se pensar na vida, em aptidões ou vocação. Era preciso se formar numa boa faculdade, ser um bom profissional e conquistar espaço próprio e ponto. Se os primeiros foram os desbravadores, estes foram os consolidadores, as primeiras raízes japonesas no Brasil. Há que se ressaltar aqui os sentimentos envolvidos neste processo: o de abnegação por parte dos pais e irmãos mais velhos que investiam o que podiam nos mais novos para que estes pudessem lutar por um futuro e o de auto-cobrança por parte dos mais novos que se viam na obrigação de conquistar tudo o que lhes fora proposto, mesmo porque, abaixo deles, outros viriam. A rudeza e sentimentos contraditórios entre pais e filhos e entre irmãos ainda predominavam. Vencer aqui, além de um dever moral, era também material, ou seja, o objetivo era acumular prestígio através de diplomas, títulos e propriedades também para as gerações futuras.
03. VENCER = VIVER AS RAÍZES
Na etapa subsequente, vencer já estava longe de significar batalhar por comida, teto, conhecimento e propriedades. Já se podia pensar num certo “status social”, se bem que ostentar riqueza material com certeza nunca esteve entre as características predominantes deste povo tão discreto, mas de certo modo, significava um pouco o orgulho da raça e a consolidação de uma identidade não mais submissa, e sim, altruísta. A invasão da cultura japonesa na mídia ocidental ampliou um pouco mais esta sensação. Para os nisseis e sanseis cinquentões de hoje chegou o super herói National Kid, o Godzila, ... ; para os quarentões, Ultraman, Ultraseven; depois, Speed Racer, a Princesa Safira; mais tempo depois ainda, os Pokemons e atualmente a nova febre, o Naruto. Desculpem-me os experts em programas de TV se pulei algum seriado ou desenho legal ou ainda se me atropelei nas épocas, mas fui relatando os que me vieram à cabeça. Fora os seriados, tivemos a febre samurai com muitos filmes, artigos, livros, artes marciais, etc que abordaram (e ainda abordam) insistentemente o assunto. Tivemos o grande Akira Kurozawa no cinema com seus filmes maravilhosos que encantaram o ocidente. Temos até hoje a moda da culinária japonesa, dos karaokês e outras manifestações que nos fizeram solidificar uma identidade nipo-brasileira até que bem resolvida, só que ainda voltada para o exterior.
04. VENCER = SER AS RAÍZES
Acredito que a evolução deva nos conduzir a uma interiorização de nossa cultura oriental de forma cada vez mais natural e prazerosa. Nossa identidade será cada vez menos definida pelo e para o exterior e cada vez mais por e para nós mesmos, para que possamos nos compreender mais profundamente e assim viver o melhor de nós mesmos para a sociedade. Desta maneira, acredito que as gerações futuras dificilmente perderão suas raízes e renegarão seus ancestrais, porque eles próprios buscarão suas origens para se “auto-afirmarem” e “auto-conhecerem”, ou melhor ainda, elas virão para eles como dádivas! O estágio avançado de evolução do conceito de “vencer” acontece quando resolvemos “vencer” a nós mesmos, SENDO plenamente o que viemos SER neste mundo.
Questionarão os mais pessimistas ou preocupados com a manutenção da identidade nipônica nos yonseis, gosseis... como isso acontece na prática ? Posso estar errada e ser uma sonhadora nata, mas será que não seria quando um filho yonsei de 4 anos de idade, que cresceu dormindo num cantinho do tatame no dojô, pega pela primeira vez um boken (espada de madeira) e sai fazendo movimentos corretos, com a postura de um verdadeiro samurai sem ter nunca feito uma aula sequer? Ou seria quando este mesmo menino inicia-se na arte do Aikidô de forma séria e disciplinada aos 6 anos por livre e espontânea vontade? Ou ainda, quando pegamos o outro filho yonsei de 12 anos cantarolando músicas em japonês com seu MP5 na orelha, sem nunca ter visto um CD de músicas japonesas em casa e quando questionado diz que “baixou da Internet”? Ou seria ainda, quando este mesmo filho demonstra interesse repentino em estudar a língua japonesa e carrega seu irmãozinho consigo, sendo que sua mãe se confunde nos cumprimentos básicos nesta língua? Por último, mas não menos surpreendente é ver os dois yonseizinhos inscrevendo-se por conta própria, por dois anos consecutivos, em cursos e atividades da Oomoto do Brasil, uma religião que só não era totalmente desconhecida para nós por conta da prática do Aikidô, uma vez que o mestre fundador era integrante da mesma, mas que até então, não fazia parte de nossa vida. Como podem ver, tenho poucas mas boas referências de como a identidade tem se formado nas novas gerações: por osmose mesmo, porque estão abertas e livres para serem elas mesmas e isso acontece naturalmente... não por acaso ou por sorte e sim, por destino.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil