Conte sua história › Ana Paula Akemi Matsuda Morioka › Minha história
Sou Sansei. Terceira geração de descendentes de japoneses aqui no Brasil. Costumo dizer que sou da geração do equilíbrio: os isseis vieram para cá e comeram o pão que o diabo amassou para que pudéssemos desenvolver o pensamento livre que temos hoje. Digo isso porque os nisseis não tiveram a oportunidade que nós, da terceira geração, tivemos: à da livre escolha, do livre pensamento, do livre "ser". Tinham que "vencer" e entenda-se por "vencer", estudar muito às custas de muito sacrifício dos pais e irmãos mais velhos para se graduarem em uma faculdade pública de renome e em um dos três ou quatro cursos mais tradicionais e de status que existia: medicina, engenharia, direito e pedagogia (para as poucas mulheres que conseguissem chegar lá, pois para elas não havia a obrigação de estudar e sim, de cuidar dos irmãos, da casa...). Marketing, publicidade, belas artes, jornalismo, letras, filosofia...não existiam enquanto curso, ou pelo menos, não enquanto opção a se escolher na cabeça destas pessoas. Depois disso, era preciso trabalhar muito e honestamente ainda por cima! E ganhar muito dinheiro. Casar-se com um(a) outro(a) descendente de japonês tão moralmente correto(a) e irrepreensível, ter filhos e dar muito orgulho para a família por tudo que conquistaram. E olha, os isseis e nisseis são muito elogiados pelos demais brasileiros por estes feitos porque a maioria conseguiu! Não que eu considere isso errado, não! Há muita glória, honra e orgulho nestes feitos, mas a alegria de poder escolher quem se quer ser só começou a surgir para os descendentes de imigrantes japoneses da minha geração em diante e justamente graças à toda esta conquista das gerações passadas!
Tive, sim, um pouco de crise de identidade quando criança: era a japa na escola, a inteligente, a "cdf" que tiraria uma vaga dos brasileiros no vestibular e era a brasileira em casa, muito pouco submissa (como toda japa deveria ser), que não gostava de conviver com outras crianças e jovens descendentes, exceto os parentes; que sempre preferiu lasanha, pizza, arroz/feijão/bife/ovo frito a sushis, sashimis, missoshiros, etc; que se formou em Letras, estudou português, inglês, francês, mas que nunca conseguiu passar do terceiro livro da Aliança Cultural Brasil-Japão por total bloqueio à língua ancestral. Tentando assumir a identidade totalmente brasileira, (nunca havia namorado um japa até meus 20 anos e aos 14 informei meus pais que eles esperassem netos mestiços loiros no futuro) encontrei em mim muitos traços inerentes à meus ancestrais, começando, conforme fui amadurecendo, a incorporar à minha formação, o que escolhia ser importante, bom e viável de ambas as culturas e como toda boa paulistana, a de muitas outras culturas também. Contrariando (e muito!) meus sonhos de adolescente, casei-me com outro sansei gordinho, não tão baixinho, de óculos e engenheiro (já viram ser mais típico que este? hihihi) e tive dois lindos yonssei, mas para vocês terem uma idéia de quão complexa e bela é nossa cultura, entre a infância brasileira e o casamento, que para mim significou parte da recuperação da identidade japa, morei a vida toda num bairro dominado por portugueses e seus descendentes; nadei durante muitos anos na adolescência pela hebraica, junto à judeus e seus descendentes portanto; meu primeiro emprego foi numa empresa suíça, trabalhando em meio à pessoas de diversas nacionalidades e no esporte, além da natação entre judeus, passei pela capoeira de origem afro até cair no aikidô de meus ancestrais (o qual já acumulo mais de 15 anos de prática).
Agradeço, sim, à meus avós e à todos os demais isseis, pelo caráter perseverante, firme; por seus valores corretos e duros que tanto respeito conquistou dos demais brasileiros. Agradeço à meus pais e à todos os demais nisseis deste país, que abnegadamente souberam conquistar os sonhos de seus pais por um lado, ao mesmo tempo que por outro, nos proporcionaram a oportunidade de ser verdadeiramente nipo-brasileiros livres. À minha e demais gerações, cabe sabermos aproveitar este legado e tudo de bom que cada cultura oferece neste país de todos, para sermos cada vez mais cidadãos do mundo.
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Este projeto tem a parceria da Associação para a Comemoração do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil